A
nova etapa das crises do agora, que se dão desde os idos de 2013 (reflexo por
sua vez da crise de 2008) com as manifestações de massa e que se acentua em
2018 devido, sobretudo, por conta de interesses em torno das eleições e rumos
da economia capitalista no Brasil e no mundo, nos obriga a um esforço
intelectual crítico em busca de um balanço minimamente equilibrado de forma a
nos orientar para saídas necessárias e não somente possíveis e desejadas por um
determinado setor dominante da sociedade; saídas que ampliem e reconfigure o
espectro social para mobilizações de massa de forma a desestabilizar o sistema
ao passo que contribui para a auto-organização da classe trabalhadora
manifestando profundo interesse pela revolução. É isso que força a ruptura e
avanço da consciência da classe trabalhadora em direção ao socialismo, ou seja,
a reorganização dos trabalhadores em prol da construção de um poder alheio às
determinações do estado burguês, o que só pode se dar se os trabalhadores
buscam autonomia negando as vias burocrática e legalista, o que, obviamente,
não se coaduna com nenhum partido político ou instituição burguesa. Estas são
condições necessárias para a autogestão, ou a livre associação dos produtores.
João
Bernardo faz essa discussão de forma mais profunda sintetizando como a
necessária inversão da contradição entre as classes. Em suma,
“A
inversão da contradição entre as classes exige, para se realizar, condições
institucionais que a imponham não só como o objectivo, mas ainda como o único objectivo possível. É precisamente esta a função dos
conselhos de fábrica antes da inversão da contradição política pelo
proletariado. Os conselhos de fábrica têm como objectivo explícito: projectar
as novas formas de exercício do poder político em extinção, o que quer dizer,
as formas de extinção do poder político; projectar as formas organizadas de
dominância do social sobre o económico; projectar, na articulação dessas
determinações, as próprias relações de produção em constituição. No
desenvolvimento prático da luta, os conselhos de fábrica mostram que a sua
verdadeira realização só se pode processar na acção da inversão da contradição
entre as classes sobre o antagonismo básico do modo de produção. É este, nas
suas linhas abstractas, o desenrolar do processo que tem essa inversão como
momento central e que converte os conselhos de fábrica, de projecto, em
realização concreta.” (A Revolução Russa como
resolução negativa da nova forma de ambiguidade do movimento operário)
Nenhuma
revolução é feita por dentro. Se nos orientarmos basicamente pelas forças
legalistas (ou pelas mídias corporativas) que por hora hegemonizam boa parte
dos processos de disputa política e econômica entendidos vulgarmente como
“esquerda” e “direita”, seremos apenas usados para dar corpo e legitimar um
modelo político que historicamente vem demonstrando sua ineficácia e seu poder
destrutivo contra os trabalhadores, ainda que boa parte destes apoie e sustente
tais políticas. Este paradoxo, que pode ser comparado à metáfora do tiro no pé,
de cavar a própria cova ou de se auto-neutralizar mostra-se como desafio
primário a qualquer avanço mínimo em busca da autonomia operária. Como então produzir
uma análise minimamente qualificada dentro destes termos? Veremos.
O
quadro em que estamos mostra na prática que a legalidade é apenas uma
formalidade frágil, mas sustentada diariamente pelas grandes corporações e
principalmente pelo Estado. O próprio golpe de Estado de 2016 (que tem toda uma
complexidade neste debate) provou que a legalidade sempre que for necessária
será quebrada na defesa intransigente do capital. Sabemos que inclusive as
eleições correm sérios riscos de não acontecer. Tudo pode acontecer quando o
estado de exceção vem à tona. O ressurgimento feroz da direita mostra que a
defesa do mercado e das privatizações é pauta permanente. Os think tanks estão
aí para isso. Há todo um debate sobre isso que já fiz no meu texto sobre o meu
próximo filme Conservadorismo em Foco disponível no site lavrapalavra. Por isso,
defender a legalidade neste momento é saber que não se poderá avançar
radicalmente na defesa de nenhum projeto popular, por exemplo. E mesmo estes
que lá (no parlamento) possivelmente estarão, serão incapazes de responder às
principais demandas dos trabalhadores, que neste momento diz respeito à sua
própria sobrevivência.
A
inevitabilidade do discurso progressista frente aos acontecimentos se reduz à
automática escolha (e como se houvesse apenas esta) da defesa intransigente de
Lula e seu desgastado programa como obrigação de todo trabalhador que se diz
lutar pela democracia, o que funciona como uma espécie de coação acrítica e
tentativa de evitar qualquer organização que escape das intenções primárias da
direção partidária e sindical, eternamente pelega, conciliadora e traidora da
classe que diz representar. Sabemos que a democracia é um conceito vazio e
abstrato, devendo ser também compreendido o seu verdadeiro caráter na sociedade
capitalista. Ora, se todos dizem defender a democracia e as desigualdades ainda
imperam, é evidente que há diferentes interpretações sobre o que vem a ser este
conceito. Grosso modo, a democracia numa sociedade capitalista é burguesa,
portanto, atende diretamente aos interesses da classe dominante, sendo as
eleições um ritual meramente formal e que em nada pode alterar o estado de
coisas. Aliás, as eleições são a garantia da manutenção desse estado de coisas.
O
trabalho incansável de quadros e intelectuais a favor deste projeto funciona
neste caso como uma das barreiras contra a própria emancipação proletária ao
confundir os interesses partidários com a classe trabalhadora, como é o caso
dos historiadores pela democracia da UFF, professores que na luta interna na
universidade se mostram absolutamente anti-democráticos devido à defesa de seus
próprios interesses sendo perenemente contrários a qualquer radicalização como
piquetes e assembleias populares que se dão alheio ao Colegiado ou Conselho
Universitário. Estas estruturas altamente verticais da organização burocrática
acadêmica se configura como o feudo dos intelectuais progressistas que limita
sobremaneira a participação estudantil. Essa farsa é o que oculta nas relações
sociais os interesses concretos da classe dominante e suas classes auxiliares
como a burocracia acadêmica e estudantil. A burocracia, diz Motta (1980):
“Já
está presente nas formações pré-capitalistas. Conserva ainda um papel
secundário na fase competitiva do mundo capitalista de produção. No século XX,
entretanto, assume um papel cada vez mais decisivo e autônomo, nos quadros do
capitalismo monopolista do mundo ocidental e principalmente nas sociedades de
economia planejada, inadequadamente chamadas de socialistas. Através da
história a burocracia modifica-se, sem perder algumas características
essenciais. Seja como grupo social, seja como forma de organização social, a
burocracia é sempre um sistema de dominação ou de poder autoritário,
hierárquico, que reivindica para si o monopólio da racionalidade e do
conhecimento administrativo.”
Essa
defesa intransigente em torno da figura carismática de Lula parece pular etapas
absolutamente necessárias para antever os trabalhadores a todas as questões que
estão em jogo. Na internet pululam notícias, vídeos, opiniões, desabafos, manifestações
e até análises o tempo inteiro sendo difícil acompanhar tudo isso e ainda mais
difícil tirar conclusões, ainda que provisórias, sobre a conjuntura política e
seus desdobramentos. Na verdade é necessário um cabedal de conhecimento
histórico e teórico muito grande para se produzir uma leitura coerente com tudo
que vem acontecendo no âmbito político do país. Por isso a minha dificuldade em
escrever algo neste momento, pelos claros limites impostos. É preciso uma
leitura detalhada de todo esse material e, claro, associar tudo isso à teoria
marxista e aos processos históricos que se configura como tarefa hercúlea.
Todo
esse mundo de informações (que sem dúvida a grande maioria não passa de
desinformação e até meras reproduções), serve para manter o baile rolando até
que sobre apenas pares nas disputas intra-burguesa que dançam a passos
sincronizados ao ritmo da dominação de classe, sem piedade, pisando firme ainda
que de forma dissimulada. Nesse baile, restrito à burocracia estatal e aos
donos do capital, dança tanto esquerda como direita. No entanto, isso que, por
exemplo, se denomina esquerda (que é, sobretudo, neste momento ligado
diretamente aos partidos políticos), são variações de um modelo conhecido
historicamente como social democracia ou simplesmente reformista que se
caracteriza fundamentalmente pelo seu burocratismo senil que exclui
sobremaneira a possibilidade de galgar um projeto de fato socialista. Aliás, o
socialismo sequer entra em pauta na boca desses burocratas e intelectuais (que
falam quando muito em direitos e cidadania) e seus grandes nomes ou quadros que
são na verdade políticos profissionais profundamente arraigados a uma prática
vertical ainda que sob um discurso democrático legalista. Aliás, dentro do
aparelho estatal todos sem exceção afirmam defender a democracia como
justificativa suprema de suas posições.
A
defesa que comumente se faz é dentro de todos os limites da legalidade burguesa
e quebrá-la ou simplesmente desafiá-la ou provocá-la parece o pior dos atos
devendo ser evitado a qualquer custo, pois atrapalha as direções em seus
objetivos concretos. Como bem coloca Ivo Tonet:
“A
tônica de suas lutas centrou-se na conquista de melhorias – econômicas,
políticas e sociais – deixando de lado a superação radical de toda forma de
exploração e a luta por uma sociedade socialista. Teórica e praticamente, foi
abandonada a centralidade do trabalho e assumida a centralidade da política.
Esta última expressa-se, de modo especial, no fato de aceitar efetivar as lutas
no campo estabelecido pelo capital e pelo Estado. Expressa-se, também, no fato
de pretender tomar o poder de Estado para, por intermédio dele, realizar as
transformações que poderiam conduzir ao socialismo ou, pelo menos, a um
desenvolvimento que superasse, ao menos em grande parte, os problemas sociais.
Reformismo e politicismo são o que caracteriza essas propostas.”
Para
além dos direitos, o que se busca? Ou, o que é possível fora da legalidade? Ou
ainda, qual a necessidade de romper com este modelo puramente formal e que se
qualifica como ótimo instrumento de dominação de classe? É assim, os assuntos
vão se sobrepondo. Nada na história é fácil. Temos que entender os processos.
Não adianta simplesmente fabricar um espantalho e bater nele incansavelmente,
pois dessa forma não sairemos do lugar.
Continuamos......
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