É sempre uma lástima, humanamente penosa,
perder oportunidades históricas. Mas, do que tem sido feita a crônica da
esquerda no Brasil? Ou é mais justo perguntar no mundo? Quando a esquerda não
rasga horizontes, nem infunde esperanças, a direita ocupa o espaço e draga as perspectivas: é
então que a barbárie se transforma em tragédia cotidiana.
José Chasin
José Chasin
Não
há prova mais cabal da falência da esquerda (ou se quiser das esquerdas), que a
tragédia cotidiana do nosso tempo. Essa tragédia é o resultado direto das
contradições da sociedade de classes que atravessam o universo da esquerda. José
Chasin resgata este debate em A Sucessão na crise e a crise na esquerda, a
partir da revolução Russa, que mais tarde viria se transformar em capitalismo
de Estado, mantendo o trabalho morto submetido ao trabalho vivo num regime de
acumulação que perverteu a autonomia operária que viu-se cada vez mais
submetida ao Estado bolchevique. Hoje, após o centenário da Revolução Russa, a
classe trabalhadora (que complexificou-se com o neoliberalismo e a nova divisão
social do trabalho), ainda vê-se encurralada pelo regime de exploração que
trouxe novamente à tona o fascismo como forma de poder, ao passo que ainda que
não tenha desistido da luta se enfraquece cada vez mais por não obter êxito em
novas organizações o que depende de ampla unidade em torno da superação do
capitalismo e do Estado burguês.
Desde
quando há capitalismo impera a barbárie e a decomposição do trabalho humano
contra ele mesmo. A ascensão do neo-fascismo a nível mundial reflete o estado
permanente de crise estrutural do capital sendo o amortecedor de sua falência a
típica violência fascista. A ascensão do fascismo em sua nova roupagem deixa
claro a incapacidade que ainda se coloca de superação do capitalismo, portanto,
do fascismo. A direita é uma força política parasitária. Ela se aproveita das
fragilidades e contradições do seu oponente de forma absolutamente oportunista como
força devastadora que aniquila na base de uma dominação pela desqualificação
operada pela força econômica e física. Ela é a condução para a barbárie a passos
largos, pois afasta a população de uma forma geral a empreender suas próprias
formas de organização e autonomia fazendo crer como verdade o mito da
auto-regulação do mercado e da necessidade de um Estado. A direita qualifica o
sujeito apenas para o capital e relações burocráticas inviabilizando qualquer
perspectiva contrária acentuando as contradições de classe.
O
seu estabelecimento como força política hegemônica revela em grande parte o
fracasso das esquerdas no Brasil e, claro, no mundo fazendo emergir mais uma
vez o fenômeno fascista em sua nova roupagem. O fenômeno fascista depende de
condições econômicas objetivas para emergir que se configura na forma de crise
acentuada das relações capitalistas. Fascismo e capitalismo são forças
complementares e intimamente dependentes. Sem o autoritarismo típico dos
regimes fascistas o capital já teria se implodido há muito tempo.
Em
primeiro lugar, o que é fascismo? O fascismo, grosso modo, é o exercício nu do
poder da burguesia para reestabelecer o desempenho exploratório da economia
capitalista. Como bem coloca o companheiro Alenjandro Ernesto Asciutto:
“Un fascista es un nacionalista anti-comunista
dispuesto a reprimir o eliminar a balazos a sus enemigos de izquierda ( en el
sentido más amplio del término).Podrá ser liberal o estatizante, pero eso no
define su condición de fascista. López Rega era un fascista y en economía, tenía
un programa liberal. El fascismo puede ser racista o no. El fascismo alemán que
llamamos "nazismo" era racista. El fascismo puede ser católico o no.
El nazismo era más bien pagano.El franquismo español en cambio era católico. La característica central del
fascista es la voluntad de eliminar a la izquierda con métodos violentos y
dictatoriales. El liberalismo no anula al nacionalismo de derecha,sino que lo
complementa. Pinochet era fascista. Bolsonaro es fascista,aunque tenga una
política económica liberal.Cada fascismo realmente existente fue único y tuvo y
tiene particularidades diferentes. Todos fueron radicalizaciones por
derecha.Todos fueron una mezcla única de conservadurismo, nacionalismo y
liberalismo.”
O
mal-estar da nossa civilização diz respeito às condições reais de existência da
população que por estar em situação de vulnerabilidade produz-se uma constante
insegurança sobre questões fundamentais para a existência humana, sem as quais
há campo aberto para a barbárie, o que vem ocorrendo levando as pessoas a crer
em saídas salvacionistas, tal como Jair Bolsonaro. No entanto, este fenômeno
obviamente não se encerra na figura do ex-capitão do exército. O fenômeno
Bolsonaro já escapou do seu próprio controle. A caixa de pandora foi aberta e
as forças fascistas já ensaiam todo um modo de atuar nos espaços públicos, nas
instituições, redes virtuais, etc, sempre através da ameaça e violência direta
contra seus opositores. Não há campo para a racionalidade, o que se coloca para
os trabalhadores é novamente a organização contra o avanço da barbárie.
O fascismo é blindado a outras perspectivas e leituras de
mundo. Ele é a ausência completa de alteridade, produzindo uma única
alternativa que se baseia fundamentalmente no aumento da repressão contra
setores que ameaçam a ordem e a paz social, mas que traduz-se pelo bom
funcionamento das redes de mercado. Se o mercado for afetado, todos os
mecanismos podem ser utilizados contra os manifestantes. O fascismo garante os
privilégios fundamentais da classe dominante e suas classes auxiliares com
forte apelo popular. Este é o maior dos perigos, por isso a necessidade de
agir.
Como
exercício do poder burguês, o fascismo não se resume a um governo
declaradamente fascista, ou seja, racista, xenófobo, anti-marxista, com
espetáculo e manifestações de massa, etc., de cunho altamente autoritário. O
fascismo dissemina sua ideologia como forma de envolver os trabalhadores antes
mesmo de se estabelecer como poder burocrático estatal disseminando-se em todo
espectro social. Nenhum movimento fascista nasce como forma de governo. Isso
também não quer dizer que o fascismo esteja alheio a intenções políticas claras
na defesa do seu típico projeto de sociedade almejando, por fim, a tomada do
Estado e o seu consequente controle. Por isso a confusão teórica debatida
inutilmente entre intelectuais de esquerda neste momento é absolutamente inócua
quando coloca em dúvida o caráter fascista do governo Bolsonaro. A questão me
parece ser outra: como combater o fascismo hodierno?
A
política fascista não deixa de ser uma política do ressentimento. O ressentimento
é um afeto mal resolvido que lida com os problemas basicamente através ou do
silenciamento ou da agressão direta contra o seu adversário. O fascismo como
regime político é a forma do poder burguês ativado como garantia da manutenção
da exploração capitalista em níveis ainda mais acentuados, pois a recuperação
da economia em momento de forte crise requer a super-exploração do trabalho, o
corte de diretos, tudo colocado como necessidade legítima para a manutenção da
ordem social que em última instância se garante com o exército nas ruas.
Mas
o fascismo, como prática social e valores extrapola os limites do poder burguês
permeando praticamente toda a sociedade e obviamente outros campos políticos,
assim como indivíduos, coletividades e militantes. Seria impossível pensar um
fenômeno tão complexo como o fascismo sem analisar de que forma e para quais
objetivos a esquerda de um modo geral também abraçou este tipo de poder
altamente eficaz na eliminação de oponentes/adversários, principalmente
correntes de orientação pós-moderna. Seria uma falsa análise responsabilizar
somente a direita por todos os males sociais sem levar em consideração que
muito antes da direita avançar como vem ocorrendo sobretudo após a grave crise
de 2008, diversas manifestações e práticas do fascismo já comumente se
manifestava nas organizações e segmentos de esquerda. Autoritarismo, mecanismos de controle e dominação, sabotagem,
escrachos, tudo isso são práticas muito comuns entre organizações de esquerda e
entre os próprios militantes gerando uma onda de rompimentos segmentando ainda mais
as forças alimentando rivalidades abandonando por completo a luta pela
superação do capitalismo em detrimento dessa dinâmica que se auto-fagocita.
A
unidade na esquerda parece estar muito mais no plano das ideias que
concretamente. Parece que qualquer tentativa de gerar espaços participativos e
deliberativos e que tenha perenidade é tarefa enorme. Os movimentos estudantis,
organizações e partidos vem sofrendo rompimentos irreparáveis refletindo também
nas pequenas organizações e parcerias entre os próprios militantes. Há um afeto
que parece permanente em diversas gregariedades: o ressentimento que resulta em
práticas proto-fascistas. O ressentimento permanente entre militantes resulta
em relações competitivas inviabilizando o próprio sentido da militância que é
estabelecer relações horizontais estabelecidas a partir do debate sobre
questões fundamentais. Ele nasce a partir de disputas internas que geram
fissuras nos movimentos, postergando-se como rivalidade permanente entre
militantes. Onde há rivalidade inviabiliza-se a permanência das partes em
ambientes de luta e militância por vezes implodindo os espaços com denúncias
espetaculosas ou simplesmente falsas o que por fim descredibilizará o oponente
tornando-o um pária social.
Os rompimentos políticos são absolutamente
normais e necessários nos processos de disputa por hegemonia. É através da
diferenciação que deixamos claro o conjunto de interesses em questão e a forma
como estes interesses devem ser defendidos. Os rompimentos se dão por haver
incompatibilidade entre as práticas, não sendo, portanto, somente da forma como
se decodifica o mundo. Mesmo havendo consenso de que todos querem um mundo
melhor não são todos que lutam por este mundo melhor
somente por enunciar uma vontade geral. E mesmo aqueles que lutam por um mundo
melhor podem na sua prática anular tudo aquilo que afirma discursivamente
gerando a necessidade do rompimento ou de uma reavaliação radical.
No
entanto, o ser social nunca estará livre de contradições e por vezes incorrerá
em erros absurdos. É neste ponto que as divergências podem ser administradas ou
não. As divergências tornam-se administráveis quando mecanismos construídos
para a manutenção de relações horizontais evitam a degeneração das organizações
e entre os próprios militantes. Estes mecanismos por mais que sejam horizontais
confrontam as situações através da crítica radical às principais contradições
que nulificam o ser social.
A luta se dá pelos seus fracionamentos e antagonismos resultando em direções determinadas e na defesa de determinado projeto político. As frações em luta tendem a tencionar até como forma de chegar a algum lugar ou simplesmente de anular o outro através da construção de um espantalho. Mas e quando os rompimentos são a regra? O que se denota aí é um problema que se tornou estrutural, ou seja, que permeia toda a esquerda, mas, sobretudo os setores que buscam construir alternativas a já desgastada forma-partido imersos na lógica do poder do Estado burguês.
A luta se dá pelos seus fracionamentos e antagonismos resultando em direções determinadas e na defesa de determinado projeto político. As frações em luta tendem a tencionar até como forma de chegar a algum lugar ou simplesmente de anular o outro através da construção de um espantalho. Mas e quando os rompimentos são a regra? O que se denota aí é um problema que se tornou estrutural, ou seja, que permeia toda a esquerda, mas, sobretudo os setores que buscam construir alternativas a já desgastada forma-partido imersos na lógica do poder do Estado burguês.
A
necessidade do rompimento como recurso banalizado das relações políticas
denuncia não só um completo despreparo para enfrentar um problema que envolve
as nossas próprias vidas, deixando claro a completa incompetência dos setores
em luta. O rompimento banalizado denuncia o eterno estado de ressentimento
entre os segmentos de esquerda principalmente entre militantes que ao
deparar-se com contradições pula fora do barco frustrando uma perspectiva de
pureza na esquerda onde todos os anjos deveriam se reunir para combater o
demônio-chefe que fica ali à direita. A esquerda também está permeada por
demônios e estes não podem ser pintados para disfarçar a ameaça que representam.
A luta não é entre o bem e o mal. O ressentimento gera práticas proto-fascistas
e de dominação direta sobre o seu adversário, fazendo o tão sonhado jogo do
capital que por sua vez se abstém das contradições acusando os trabalhadores
por serem eles mesmos os responsáveis por sua condição de miséria e
subserviência.
O
que piora ainda mais a situação do cenário político é a incapacidade do setor
popular ou se quiser os autonomistas em forjar suas próprias organizações, o
que alavancaria a luta obrigando os trabalhadores a tomar para si o comando das
ações, estratégias e táticas como forma objetiva de alcançar e concretizar um
projeto social capaz de dar conta das demandas e necessidades mais prementes
daqueles que não são donos dos meios de produção. Isso se dá por vários motivos
não menos importantes. A brutal repressão do Estado contra tais organizações
(quando se consegue germinar algo dessa natureza), o reformismo senil e
moribundo que traga as lutas ao parlamento, a falta de formação política e o
ressentimento que impede que as organizações tenham perenidade.
Ao
mesmo tempo a mais urgente das tarefas diz respeito em pensar a unidade das
esquerdas contra o inimigo comum: o fascismo. Esse debate por mais genial que
possa ser o teórico que reflete sobre esse assunto está muito mais na ordem da
prática coletiva que coloca em questão a orientação da direção e o projeto
político a ser defendido. A direção irá existir, mas ela precisa ser o quanto
mais aberta e horizontal possível, capaz de adensar o debate na medida em que a
participação também aumenta sendo capaz de submeter-se a este corpo maior. A
unidade é o desafio que temos para criar as condições necessárias ao
enfrentamento, pois enquanto essa tarefa não for realizada o massacre contra os
setores que resistem é certo. Inclusive os indivíduos mais combativos são
facilmente identificados sofrendo as ações arbitrárias do inimigo.
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