Uma questão importante de pensarmos é: o estado
democrático de direito é a condição social sem o qual seria impossível o avanço
das lutas populares e a sua consequente organização? Ou na ausência dele as
condições reais operariam na construção de um poder popular? Em primeiro lugar não se deve descartar que a classe
trabalhadora somente pode organizar-se em condições favoráveis a nível material
de subsistência. Ou seja, ela deve resolver problemas de primeira ordem para
que possa atuar enquanto classe. Mas não são apenas as condições materiais que
favorece a sua organização autônoma. Sem um movimento de conscientização, a
classe permanece em sua condição de dependência com relação à classe dominante.
Essa conscientização não nasce nos partidos políticos de uma forma geral,
tampouco do estado. Tudo o que o estado e os partidos fazem é lutar contra o
rompimento da legalidade burguesa e os seus possíveis benefícios. Dessa forma
não há espaço para os trabalhadores construírem a sua própria autonomia.
Por exemplo, os partidos ditos de esquerda priorizam o
parlamento burguês em detrimento da própria luta dos trabalhadores, construindo
habilmente novas ou outras necessidades para a classe. Ora, o estado
democrático no Brasil nunca foi capaz de garantir a justiça e a manutenção de
uma sociedade horizontal, sem conflitos e guerras internas ou condenação
sumária aos setores divergentes. Na verdade esse estado democrático por aqui
sequer existiu algum dia.
O estado democrático pressupõe uma ótima organização
social, ainda que incompleta, mas que ao mesmo tempo é incapaz de brecar
avanços substanciais do capital e todo o seu conjunto de exigências normativas.
Ele opera na medida em que acentua a condição de dependência dos países
periféricos de capitalismo dependente. Na prática esse estado possui um
conjunto de regras e leis que fornece legalmente a garantia e defesa de
prioridades que não fazem parte do interesse geral ao qual diz defender. Os defensores
da ordem e do legalismo burguês muito dizem sobre a garantia de direitos
enquanto abrem as portas para a iniciativa privada que abomina qualquer
princípio popular. As eleições, que funcionam dentro dessa configuração, é mais
uma das formalidades necessárias a garantia do status quo.
O que dificulta o rompimento radical contra esse arranjo
é o fato de boa parte da esquerda crer e defender (por motivos políticos e
estratégicos) a legalidade como assunto prioritário aos trabalhadores. Por mais
que esses setores muitas vezes produzam uma análise até condizente com a
realidade, as resoluções não ultrapassam a representatividade e os seus
limites, capitalizando as lutas mais uma vez aos partidos e direções sindicais.
Esse estado democrático burguês também funciona como um
equalizador, ainda que de forma artificial, das diferenças fundamentais entre
os vários setores que compõe a sociedade, o que acaba funcionando como bom
elemento que oxigena a vida democrática representativa burguesa, pois ele (o
estado) passa a comportar um sem número de tendências que justifica a
necessidade da manutenção do regime democrático, mesmo que haja facções e
partidos políticos de extrema-direita disputando a cena. Esse estado no seu
conluio da justiça ampla deve comportar também o fascismo já que ele diz
respeitar as diferenças.
Já
a extrema-esquerda (ou simplesmente a esquerda revolucionária) é confundida por
este estado com a social democracia, que é condenada até mesmo por seus pares
na burocracia estatal dependendo dos interesses em jogo. Na verdade não existe
extrema-esquerda no interior do estado burguês. Essa é a maior falácia que
podemos acreditar, o que denota o desconhecimento da natureza social e
histórica desse estado. A consequência então passa a ser que sem o estado
democrático o único caminho é a ditadura militar, constantemente empreendida de
acordo com o momento histórico e a necessidade política de cada país.
A
ditadura incrivelmente é colocada como regime no reordenamento da sociedade na
busca pela reconstrução e implementação do estado democrático, o que funciona
como mais um discurso falacioso e enganador. A ditadura não serve a outro fim
senão garantir a sobrevivência do capital em momentos decisivos de
instabilidade. Ela (a ditadura) escancara as contradições e sua única forma de
lidar com isso é através da neutralização de setores combativos e até mesmo
progressistas. É nesse momento que a social democracia tende a ser expulsa de
campo para voltar ao jogo no próximo tempo. A garantia da ordem que se dá
restringe-se às relações de mercado complexificando o que vem a ser o quadro
ditatorial. São ditaduras engendradas em outras; formas complexas de poder.
Na
verdade é difícil dizer em que condição, se legal ou não, a revolução irá
eclodir. Tanto em sua forma legalista ou abertamente ditatorial pode ocorrer
grandes movimentações sociais que quebrem barreiras que antes pareciam
intransponíveis. As forças que colaboram para a manutenção do estado
democrático ao passo que são a garantia na defesa do legalismo também pode
falhar rompendo-se e estimulando a materialização de forças revolucionárias. Nesse
caso não é a polícia ou as forças repressivas em geral que operam no sentido da
garantia da ordem, mas a burocracia que de uma forma geral envolve inclusive
setores da classe trabalhadora ou seus supostos representantes.
Nesse
sentido, o que podemos concluir é que o estado democrático nem de longe é
aquilo que garante as condições necessárias ao desenvolvimento da classe
trabalhadora e de sua possível emancipação; mas ele funciona como algo que
dificulta a organização dos trabalhadores instrumentalizando a luta
canalizando-a para sua neutralização. A ditadura obviamente também não trás
nenhum benefício ao trabalhador sendo a maneira mais eficaz na eliminação das
organizações de esquerda, mas que também aponta para a necessidade da luta
direta contra o estado não a um suposto retorno idílico ao passado, mas na
negação de qualquer forma que venha a violar a autonomia de organização dos
trabalhadores envolvidos em luta.Tanto
o estado democrático como o regime militar são formas distintas de ditadura
burguesa. Enquanto a conciliação com a classe dominante for a condição para a
existência dos trabalhadores, não haverá condições reais de emancipação,
restringindo-se a luta por direitos que mesmo num estado democrático, sabemos,
é impossível acontecer de forma generalizada aos trabalhadores, pois como se
sabe vivemos numa sociedade capitalista. A luta por direitos está perfeitamente
encaixada nos ordenamentos do capital e lutar por eles não coloca o trabalhador
em posição antagônica à ditadura burguesa, aberta em qualquer um dos casos.
Muito analítico o texto. Gostei bastante. Quem é (são) o (s) autor (es)?
ResponderExcluirEu mesmo. Arthur Moura. Obrigado
Excluir