O caso recente do
assassinato da vereadora Marielle Franco coloca mais uma vez uma série de
questões importantes a serem avaliadas para que compreendamos corretamente o
ocorrido e tracemos planos que de fato gere lastro e contamine toda a sociedade
em prol de lutas populares através de greves, ocupações, passeatas, ações
pontuais e um trabalho de base constante, sistemático, necessário
principalmente nas periferias do país. Sem qualquer demagogia, na ausência de
um percurso programático na direção de um rompimento radical com a lógica de
funcionamento do mercado e da burocracia não haverá construção de uma sociedade
horizontal. O nome disso é luta social contra o capital.
Momentos de dor
como este que vivemos podem ser um estopim para movimentações mais amplas, de
massa. Mas pode também ser instrumentalizado ou canalizado a uma luta
burocrática legalista inofensiva. Não nos espanta, então, que o próprio partido
de Marielle tenha uma posição altamente recuada com relação ao problema que
enfrenta. Obviamente que este problema não diz respeito exclusivamente ao PSOL,
mas a toda a classe trabalhadora. E o que é “a classe trabalhadora” e por que
insistir em falar nisso?
Parece até estranho
falar nisso sendo que deveríamos priorizar certos lugares identitários
utilizados por setores pós-modernos. A classe trabalhadora é aquela que produz
a riqueza, vende sua mão-de-obra e ainda assim permanece numa posição precária,
subalternizada. Essa classe transformou-se ao longo do processo de afirmação do
capitalismo nas sociedades em todo o mundo, integrando-se em prol de um modelo
normativo de mercado centralizado, ainda que capilarizado ou flexível. O desafio
da classe é reconhecer-se enquanto tal reapropriando-se de sua história como
elemento de luta e superação da ordem. É a história, na verdade, que diz o que
é a classe. Nada de novo, portanto. O que muda é a como a classe trabalhadora
está disposta nos dias atuais. Se seguirmos este raciocínio, a morte da
vereadora está dentro de uma luta geral entre capitalistas e trabalhadores.
A história da luta
dos trabalhadores é marcada por muitas vitórias (ainda que alguns duvidem), mas
também derrotas, perseguições, assassinatos, criminalização e repressão sistemática contra movimentos organizados
(ou não). Não há nada de anormal nisso (ou seja, em atacar e ser atacado em
momentos políticos de intensa disputa por setores antagônicos). Tanto a
burguesia como trabalhadores fazem uso da violência em momentos decisivos na
defesa de seus interesses. A questão é que a burguesia utiliza a violência como
instrumento vital para a implementação de um modelo econômico, jurídico,
político e social altamente letal aos trabalhadores. Isso se verifica nas
relações sociais e históricas.
O capital precisa produzir lucro e sua hegemonia depende do uso de um
conjunto de mecanismos de dominação. Por outro lado, o uso da violência por
parte dos trabalhadores nunca se dá longe de objetivos concretos, como, por
exemplo, a luta pela moradia e transporte. Mas o uso dessa violência no
contemporâneo quase sempre se resume a defesa de sua integridade cabendo poucos
momentos de ameaça real ao status quo. A violência e seu uso consolidam a
revolução proletária.
A luta entre as
classes que historicamente se antagonizam leva a desfechos onde a violência
decide qual classe estará no poder e qual deverá ser submissa aos ordenamentos
e ditames impostos. A hipocrisia de que a violência é uma coisa que deve ser
abdicada e que é algo horroroso e inumano é simplesmente uma forma
despolitizada e romântica de ver o mundo. Precisamos da violência.
Os pacifistas e
legalistas não se cansam de insistir numa forma de luta inócua que em nada
convencerá a burguesia em recuar do seu projeto, o que muitas vezes prejudica a
classe trabalhadora. Estes prestam um verdadeiro desserviço à emancipação da
classe trabalhadora, mas existem, estão aí... Há grupos e setores que entram
nessa luta de forma organizada e decisiva e há também outros que preferem
abdicar e criticar o estado de coisas como simplesmente o anúncio da barbárie e
que para resolver precisamos de mais amor, compreensão e um verdadeiro Estado
democrático de direito onde as leis sejam respeitadas e haja oportunidade para
todos mesmo que estejamos num país de capitalismo dependente.
Por mais cansativo
que seja, esse discurso (proferido por intelectuais, artistas e políticos
profissionais) nos parece a regra e há que ser quebrado e superado em novas
formas de organização que não esteja preso a burocracia a fim de desenvolver um
poder popular, horizontal, combativo, radical. Não podemos dar chances ao vazio
pós-moderno. Ele perpetua a barbárie dando condições para que ela se reproduza.
É claro que nem
tudo se resume a violência; percebam que falo aqui principalmente de momentos
históricos de acirramento das lutas que acontece de tempos em tempos,
inevitavelmente. As sociedades capitalistas estão fadadas a lutas cada vez mais
sangrentas e decisivas. Não há outra saída e essa é uma dinâmica do capital.
Para sobreviver, ele precisa da violência e do seu monopólio e para isso existe
o Estado burguês e suas forças de repressão.
A reação da
direita, portanto, é algo absolutamente normal e cabível dentro da dinâmica da
luta entre trabalhadores e exploradores, patrões, burgueses e fascistas eternos
defensores da moralidade, do mercado, da ordem. Acusá-los de bestas, monstros e
outros adjetivos não os farão recuar de sua posição e missão histórica:
destruir a classe trabalhadora. Também não é somente a violência que os fará
recuar e sim a organização da classe em minar seus campos de poder a começar
pelo uso intocável da propriedade privada e do monopólio dos meios de produção.
Isso tudo se dá
também por uma má compreensão de estruturas de poder como o Estado, o capital,
as classes sociais, as instituições e corporações como a polícia militar e
outras forças repressivas, assim como partidos e sindicatos, etc. Há quem
cobre, por exemplo, uma investigação para que se encontrem os culpados, uma
investigação rigorosa. Ora, meus caros, nada mais infeliz que essa crença. O
aparato coercivo do Estado é intocável, não há como detê-lo com leis e abaixo
assinado. Compreende-se mal o que de fato significa e como atua cada um desses
elementos na sociedade, resultando em organizações vulneráveis, opiniões rasas
e sem perspectiva de superação da ordem caindo num denuncismo verborrágico o
que só demonstra a fragilidade daqueles que se opõem.
Ora, se chegamos à
conclusão de que a luta de classes ainda é o motor da história, o que nos resta
fazer? É preciso abandonar as ilusões que brecam a luta (que não são poucas).
Não são os partidos políticos, o Estado, o mercado e as instituições burguesas
que vão deliberar o que a classe trabalhadora deve ser/fazer ou não. É a
própria classe em luta auto-organizada que decide pelos seus caminhos. Com relação
ao conservadorismo, este deve ser combatido sem pestanejar. São inimigos
declarados e reagir contra eles é legítimo, cabível dentro de uma sociedade
cindida. Devemos tentar convencê-los a abraçar a luta dos trabalhadores?
Obviamente que não. Quem vai perder tempo tentando convencer o MBL, por
exemplo, a mudar de lado? Ou quem vai convencer setores que historicamente vem
massacrando os trabalhadores a mudar de lado? É claro que a conscientização
deve existir, mas isso é outro assunto.
Sei que você tem questões quanto aos movimentos identitários na luta social contra o capital. Mas acredito que fortalecer esses movimentos é de extrema importância para o fortalecimento da esquerda. Principalmente após a morte de Marielle e dos meninos de Maricá. Destaco o movimento negro, principalmente as feministas negras. Esse galera tá no front botando a cara há tempos. O discurso do afeto passa longe.... Se levantarmos os ativistas assassinados veremos que a maioria eram negros. A negada não foge do front. Aqui no Brasil principalmente se considerando nossa história.
ResponderExcluirSou totalmente contra ao discurso de Mark llila, que diz que a esquerda precisa ganhar eleição e pra isso é necessário se afastar das pautas identitárias. Acho o contrário, é preciso escutar, dar voz e palanque. Pq enquanto a esquerda branca, cirandeira, da comunicação não agressiva tá querendo conversa, nós negros, base proletária estamos botando a cara e sendo mortos todos os dias e o fascismo se mostrando cada vez mais organizado e atuante.
Bom, tudo isso pra dizer que para falar de uso de violência é necessário sim se aproximar da pautas identitárias.