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BOLSONARO, RODA VIVA E O FASCIMO BRASILEIRO




É preciso ter estômago para ouvir qualquer elemento da família Bolsonaro se expressar. A entrevista do Roda Viva do dia 30 de julho que participa o presidenciável é um verdadeiro show de horrores. Os jornalistas, todos muito respeitosos, cuidadosos e cheio de tato, depararam-se com a metralhadora giratória verbal que apontava para todos os lugares menos para as questões colocadas com muito esforço pelos participantes, que fizeram bem suas encenações democraticamente em rede nacional. O candidato nem de longe sofreu a mesma pressão que outros entrevistados como foi o caso de Manuela D´avila que dentro do imaginário social permeia o campo da esquerda. No entanto, sabemos que a democracia burguesa não comporta nada além de um reformismo senil que se traveste de esquerda na intenção de ganhar votos reforçando toda ordem de conciliação.
As adjetivações são quase sempre vazias para se explicar qualquer coisa, mas neste caso é inevitável associar Jair Bolsonaro não só a mais pura miséria intelectual (muitas vezes expressa de forma risível afirmando mentiras absurdas e interpretação reacionária da história e processos sociais), mas a uma figura abjeta, autoritária, ameaçadora e que tem importante função no cenário político brasileiro e mundial:
·         Combater os movimentos sociais na defesa intransigente dos grandes empresários e proprietários de terra
·         Promover o completo esvaziamento crítico das escolas e universidades
·         Aumentar substancialmente o nível de repressão
·         Abrir ainda mais as fronteiras para o capital internacional
·         Implementar a moral fascista.  
A tendência mundial vem apontando para o fortalecimento da extrema-direita que comporta diversas práticas notadamente fascistas de ataque direto a tudo que consideram uma ameaça aos seus valores e projeto de sociedade. Esses grupos agem no sentido de inverter o sentido da história (por exemplo, associando o fascismo aos movimentos sociais e partidos de esquerda) negando as contradições de classe em detrimento de um patriotismo que forja uma unidade ficcional apagando as contradições que funciona como um simulacro para suas reais intenções. Jair Bolsonaro já demonstrou diversas vezes, assim como o general Mourão na palestra realizada na maçonaria, interesse em tecer relações amistosas com o grande capital. Na política institucional setores da extrema-direita ganham cada vez mais espaço, como os evangélicos e ultra-liberais. Dentro disso tudo é notável a despretensão da mídia em confrontar as contradições evidentes colocadas a todo momento pelo presidenciável o que de fato não vem a ser sua função ou qualquer novidade. Tudo ali não passa de espetáculo.
A super confiança que Bolsonaro tem em si faz com que suas posições sejam defendidas cada vez com mais naturalidade na medida em que comprova sua aceitação (pois diversas formas de autoritarismo ainda aí permanecem, ora ocultas, ora de forma explícita) por parte significativa da população, sendo esta importante forma de legitimar sua participação e visibilidade política o que acaba satisfazendo a necessidade de representação de muita gente, que segundo ele estão cansados da mesmice e, claro (não poderia faltar), da corrupção que transborda aos montes em todas as esferas do Estado burguês. Ser honesto num meio desprovido de boas intenções parece algo da ordem da excepcionalidade que o transforma num super-herói imbatível criando a figura patética do mito de forma artificial e impositiva, reproduzido à exaustão pelos fãs-eleitores convencidos a partir de um sistemático trabalho de marketing capaz de transformar o candidato numa criatura imaculada e inquestionável. Isso tudo ligado diretamente à ideia de que a ditadura civil-militar foi um período de forte crescimento industrial à prova de corrupção ao mesmo tempo em que expurgava o país do mal vermelho.
A ignorância de Bolsonaro é compensada pela sua postura firme de dizer o que pensa sem medo do politicamente correto. Ser reacionário, portanto, está ligado a uma espécie de revolta contra um status quo fictício de esquerda que degenera a sociedade em todos os níveis das relações. Aderir ao politicamente correto seria curvar-se à hegemonia de esquerda que é contra a liberdade de expressão, de falar algo sem o medo de ser rechaçado. É como se abrisse novamente a caixa de Pandora e os fantasmas do passado pudessem circular livremente entre nós. Essa maquiagem toda tem por função suavizar sua essência e gênese (apesar de nunca desaparecer) ampliando a adesão de outros segmentos vistos hegemonicamente como de esquerda, como jovens, mulheres (muito por conta dos movimentos feministas), negros e trabalhadores insatisfeitos, desiludidos e sem orientação política.
A sua confiança, que se embasa em sua figura mítica, produz uma fala que funciona como um trator que passa por cima das pautas propostas pelos jornalistas, muitas vezes devolvendo a pergunta no sentido de desfocar o debate num jogo combinado televisivo de surpresas, pequenas desavenças e ponderações por parte do âncora quando determinados excessos são detectados, como foi o caso da afirmação de que os portugueses nunca pisaram na África. É como se ele estivesse ali dizendo que falaria o que quisesse independente das questões colocadas, o que de fato foi feito sem qualquer dissimulação. Essas forças reacionárias vem crescendo na medida em que outros governos também fracassam na tentativa de garantir a livre circulação do capital ao mesmo tempo em que por vezes buscam dar algum tipo de garantia à manutenção da mão-de-obra necessária ao bom funcionamento da burocracia e do mercado.
Diante desse cenário em que forças proto-fascistas ganham cada vez mais adesão, o papel dos trabalhadores é oferecer resistência ao avanço de políticas e valores reacionários em primeiro lugar buscando bloquear a presença de práticas e discursos fascistas nos ambientes. O fato da mídia comportar a presença de elementos altamente reacionários como Jair Bolsonaro não deve soar estranho, pois esta presença é necessária ao funcionamento desses aparatos. O uso da violência também deve ser pensado como algo necessário quando falamos em fascismo. Por mais que este termo tenha sido vastamente desgastado pelo trabalho incansável de movimentos e intelectuais reacionários, como Olavo de Carvalho, Luiz Felipe Pondé, MBL, Brasil Paralelo e políticos da extrema-direita, um rápido olhar para a história comprova que o fascismo é um movimento genuinamente de direita, anti-marxista, conservador e que se ancora na construção mítica da realidade com forte caráter irracional. Por isso, não estamos lidando com um inimigo novo. Ele aí está desde o início do século XX, combatendo movimentos anarquistas, comunistas e também progressistas.  Bolsonaro sem dúvida representa um sinal de alerta sobretudo aos mais pobres, subalternos e trabalhadores operários e a esquerda de uma forma geral, pois cada vez que o inimigo ganha força (atestando sua vitalidade no senso comum altamente violento que reproduz suas afirmações), o capital sente-se seguro para avançar o quanto for necessário já que tudo pode ser justificado em nome de um suposto interesse geral, impossível de ser contemplado numa sociedade capitalista.


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