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O hall dos simulacros



A revolta contra o modo de vida no capitalismo é tão antiga quanto o próprio capitalismo. O que contém essa revolta são as diversas formas de dominação e controle que os sujeitos estão submetidos. Domar esta força revolucionária que insiste em irromper a cada passo que o capital dá, requer controle e violência direta contra essas ações. A cada levante, o muro que separa os homens da liberdade parece cada vez mais intransponível. A decadência moral e física perturba muitos revoltosos como consequência de suas ações sempre vistas como desastrosa e prejudicial à paz e ordem social. O desestímulo generalizado é organizado (na medida em que se consegue capturar parte das massas), por diversos setores da sociedade quase sempre ligados à burocracia estatal e setores privados. Assim, o poder popular contido dá base à sua própria ruína dentro de estruturas organizadas para sua dominação e controle direto.
            As eleições, de tão sujas, precisam de um verniz especial, mas que de tão exagerado transforma-se em maquiagem patética; é impossível cobrir o desastre. Seus defensores tentam, mas o que se assiste é um show de desonestidade intelectual. O que ainda não se tem muita noção é a magnitude desse desastre que em tão breve se conformará no colapso generalizado da sociedade burguesa.
            O temor pela auto-organização é também consequência do profundo desconhecimento da própria classe com relação à sua maior tarefa histórica: a revolução. No entanto, falar em revolução em 2018 parece impensável para a grande maioria, e aqueles que ainda balbuciam alguma coisa guardam um cadáver na boca. Pensar a revolução passou a ser tarefa de pensadores e intelectuais, professores e críticos. Os políticos de uma forma geral abominam este termo. A direita por óbvios motivos. Para este setor não é necessário abolir o capitalismo. O ciclo eleitoral já satisfaz suas necessidades. A esquerda... bom, em primeiro lugar é de fato muitíssimo controverso se dirigir a partidos políticos como PSOL, PT, PC do B, PCB, PCO, PSTU e tantos outros como de esquerda. Essa classificação, necessária ao próprio parlamento burguês (pois constrói-se artificialmente a falsa ideia de pluralidade), é meramente genérica servindo como forma de fracionar os votos. O projeto de sociedade que defendem diferencia-se muito pouco. Quanto mais dócil for essa esquerda, mais ela tem garantias de que continuará participando do jogo eleitoral gozando dos benefícios de partilhar o poder do Estado.
            A revolta agoniza num caldeirão de forças improdutivas que cada um a sua maneira desestimulam o levante legítimo contra toda forma de opressão. Não é possível apostar num processo que necessariamente deve passar pelo Estado num procedimento ilegítimo de transferência de poder a um grupo especializado que se pinta de vermelho ou azul clamando às massas, apresentando-se como peça imprescindível às lutas quando na verdade devemos exercer o poder por nós mesmos enquanto classe priorizando suas prioridades, com bem coloca BNegão. Essas prioridades, diferente do que pensam artistas e intelectuais progressistas, é da ordem da libertação dessa classe. Ou seja, é preciso que ela tome para si os meios de produção.
            O hall dos simulacros se caracteriza também por uma conivência com os pilares do poder em troca de uma participação crítica nesse processo. Assim, por exemplo, temos Chico Buarque fazendo propaganda eleitoral para Jean Willys levando parte do eleitorado a confirmar seu voto no candidato sugerido. Ou diversos artistas tocando em eventos pela volta do Lula... Essa crítica, demasiadamente utilitária (e se caracteriza como tal por ir até o limite de suas próprias intenções ligadas fundamentalmente à volta de um projeto supostamente inacabado), faz parte do arsenal disposto às estratégias de um retrocesso talvez tão perigoso quanto o que vemos agora se materializar diante dos nossos olhos. A profanação dessa crítica parece o mais perigoso dos limites devendo ser evitado a qualquer custo.
            Ao invés da denúncia direta contra a opressão e a incitação à organização popular e autônoma, os partidos sempre priorizarão gastar rios de dinheiro em campanhas, fazer e refazer acordos com a face mais espúria da política e convencer o proletariado que sem o partido não há liberdade. Bom, voltemos ao tema do início que é a revolta nos dias atuais. Um dos fatores que fragiliza setores revoltosos é a falta de conectividade/ligação entre diferentes setores da sociedade que espontaneamente aderem a manifestações e pequenas revoltas. A brevidade desses acontecimentos dá condição ao Estado de analisar quais são as melhores formas de se combater a população, em especial os mais pobres. O poder do Estado, sabemos, não precisa de muito para agir contra aquilo que o ameaça e que ele, num esforço de legitimar suas ações, chama de ordem. A ordem nesse caso é o quanto os territórios estão subordinados operando dentro de uma determinada funcionalidade social de dominação de classe.
            A partir do momento que esses acontecimentos encerram-se enquanto tal alimentando apenas as narrativas televisivas, a contradição passa a fazer parte do cenário não reverberando em acúmulos de lutas com processos de enfrentamentos maiores. As mortes tornam-se descartáveis justificando o discurso do “policial despreparado”. Ora, a polícia é treinada para matar quem quer que atrapalhe os interesses dominantes. Não há o que ter dúvida sobre sua função social. Como a reação burguesa é eficaz (por isso, é falacioso o discurso do policial despreparado), as revoltas surgem como surtos incontroláveis que tão logo são domesticados. Os remédios e as drogas, a política, o trabalho e a família terminam de neutralizar os revoltosos apresentando-lhes como solução mais viável a conformação generalizada que obedece a todos os critérios normativos da sociedade burguesa.
            Por fim, pensemos a revolução que também requer um exercício de imaginação. O que é a revolução? É a vontade legítima de uma sociedade reorganizar as relações sociais de forma a resolver um conjunto de problemas não resolvidos pelo modo de vida anterior. As revoluções não são fruto de qualquer vaidade, mas de necessidades concretas de toda uma gama de pessoas que não têm nada a perder, pois a condição atual não lhes parece favorável e a mudança radical é uma forma de garantir liberdades futuras. Os processos revolucionários são necessariamente violentos sendo este o momento em que se decide quem comandará daqui pra frente. A revolta, portanto, é apenas o grito desse longo processo e que ainda assim o que se vê é o completo medo dos possíveis desdobramentos caso essa força de fato ganhe autonomia.

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