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Combater o fascismo, pensar a unidade



O mal-estar da nossa civilização diz respeito às condições reais de existência da população que por estar em situação de vulnerabilidade produz-se uma constante insegurança sobre questões fundamentais para a existência humana, sem as quais há campo aberto para a barbárie, o que vem ocorrendo levando as pessoas a crer em saídas salvacionistas, tal como Jair Bolsonaro. No entanto, este fenômeno obviamente não se encerra na figura do ex-capitão do exército. O fenômeno Bolsonaro já escapou do seu próprio controle. A caixa de pandora foi aberta e as forças fascistas já ensaiam todo um modo de atuar nos espaços públicos, nas instituições, redes virtuais, etc, sempre através da ameaça e violência direta contra seus opositores.
            O fascismo é blindado a outras perspectivas e leituras de mundo. Ele é a ausência completa de alteridade, produzindo uma única alternativa que se baseia fundamentalmente no aumento da repressão contra setores que ameaçam a ordem e a paz social, mas que traduz-se pelo bom funcionamento das redes de mercado. Se o mercado for afetado, todos os mecanismos podem ser utilizados contra os manifestantes. O fascismo garante os privilégios fundamentais da classe dominante e suas classes auxiliares com forte apelo popular. Este é o maior dos perigos, por isso a necessidade de agir.
O forte caráter elitista da sociedade brasileira funciona como um muro que separa esta elite de todo o resto supostamente por ser mais esforçada, civilizada ou educada em detrimento de uma maioria condenada ao trabalho e produção de mercadorias. A elite do atraso, como bem coloca Jessé Souza, goza ainda de forte ligação com o pensamento colonial, mas dessa vez tendo como padrão as grandes potências imperialistas. A burguesia nacional é a que chamamos hoje de lumpem-burguesia, insignificante a nível internacional, no entanto, curvada a estes mesmos interesses.
Produzir uma análise de conjuntura da nossa situação política é sempre importante para que possamos em suma compreender uma série de fenômenos simultâneos que resulta em determinados efeitos sociais, o que pode nos orientar melhor frente às condições e dinâmica existente. Isso nos coloca a avaliar uma série de posições para saber qual é a melhor forma de atuar no cenário político e enfrentar os desafios colocados.
O que piora ainda mais a situação do cenário político é a incapacidade do setor popular ou se quiser os autonomistas em forjar suas próprias organizações, o que alavancaria a luta obrigando os trabalhadores a tomar para si o comando das ações, estratégias e táticas como forma objetiva de alcançar e concretizar um projeto social capaz de dar conta das demandas e necessidades mais prementes daqueles que não são donos dos meios de produção. Isso se dá por vários motivos não menos importantes. A brutal repressão do Estado contra tais organizações (quando se consegue germinar algo dessa natureza), o reformismo senil e moribundo que traga as lutas ao parlamento, a falta de formação política, etc.
Devemos aproveitar as manifestações contra o candidato Jair Bolsonaro como forma de ultrapassar os limites da inócua campanha #EleNão, altamente reformista e incapaz de lidar com o problema que acredita dar conta de combater. Os partidos sem sombra de dúvidas instrumentalizarão a luta com o único objetivo específico de canalizar a revolta em favor da eleição de algum candidato. Esse jogo é definido de acordo com os índices de aceitação e rejeição dos eleitores. Por isso, tudo muda rapidamente.
Ao mesmo tempo a mais urgente das tarefas diz respeito em pensar a unidade das esquerdas contra o inimigo comum: o fascismo. Esse debate por mais genial que possa ser o teórico que reflete sobre esse assunto está muito mais na ordem da prática coletiva que coloca em questão a orientação da direção. A direção irá existir, mas ela precisa ser o quanto mais aberta possível, capaz de adensar o debate na medida em que a participação também aumenta sendo capaz de submeter-se a este corpo maior. A unidade é o desafio que temos para criar as condições necessárias ao enfrentamento, pois enquanto essa tarefa não for realizada o massacre contra os setores que resistem é certo. Inclusive os indivíduos mais combativos são facilmente identificados sofrendo as ações arbitrárias do inimigo.
A sociedade está mergulhada no caos e quase que absolutamente sob o domínio de quem possui o poder das armas e a força econômica. A vida da grande maioria das pessoas é incerta não sabendo se terão casa e comida no mês que seguinte. Isso não é nenhum exagero e só o mais tolo dos tolos seria capaz de negar. A incerteza parte do princípio de que a economia gira em torno de interesses muito maiores que essa grande maioria que sofre. Esses interesses são verticais e não podem ser contrariados. O trabalho das eleições é oxigenar esse processo não o deixando colapsar precocemente. A pergunta que mais nos colocamos: “como combater este sistema?”, depende de um conhecimento alargado, mas também de condições favoráveis.
            A economia neoliberal para dar conta da sobrevivência deste modelo econômico age sobretudo na espoliação da vida elementar do trabalhador. Observamos com profundo pesar a propaganda massiva favorável a este modelo econômico não só nas mídias, internet e rádio, mas no próprio modo de funcionamento das subjetividades que obedece a uma competitividade desumana legitimando a sua própria desgraça. Nesse momento, o capital lava suas mãos responsabilizando os indivíduos pelo sucesso ou fracasso de suas ações. O Deus-dinheiro precisa ser morto e sabemos que avançar um passo nessa luta significa colocar o pescoço em risco. Enfrentar os interesses econômicos da classe dominante e não estar preparado é suicídio, pois gera muita exposição fragilizando cada vez mais os militantes, restando apenas a barbárie.

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