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Rápido balanço das eleições e o debate na Globo



O último grande debate eleitoral promovido pela emissora rede Globo, por sinal muitíssimo reverenciada pelo candidato Álvaro Dias (que inclusive sacrificou o seu tempo para bajular William Bonner), nos apresenta um jogo formado por blocos que vão se alinhando definindo suas posições atacando e defendendo-se, dividindo-se basicamente entre duas forças: uma frente progressista aparentemente preocupada em dar prosseguimento ao desenvolvimento do país ao passo que promete gerar renda, riqueza e distribuição na medida em que repele o setor conservador e a ultra-direita, que por sua vez representa o bloco da ameaça fascista, dos cortes e privatizações.

O bloco que reclama por reformas é composto por Ciro Gomes, Marina Silva, Guilherme Boulos e Haddad. Enquanto Meirelles, Alckimin, Bolsonaro e Álvaro Dias giram seus discursos em torno do suposto combate à corrupção e privatização irrestrita, assim como uma clara intenção de, como eles mesmos afirmam, “enxugar o Estado”. Esses dois blocos representam, em suma, o ruim e o péssimo. Nenhuma dessas forças por mais que afirmem incansavelmente em seus discursos darão conta de equalizar as contradições que vem assolando o país, até porque este não é um problema somente da ordem doméstica.


Marina está de acordo com a reforma trabalhista, mas promete aparar equívocos que ultrapassa certos limites. Alckimin não se cansa de deixar claro seu reacionarismo e preconceito de classe principalmente quando se refere a Boulos. Álvaro Dias é uma espécie de dente-de-leite que está ali aparentemente com um discurso crítico, mas é um agitador que colabora sobretudo com Alckimin e Bolsonaro. Boulos protege Haddad, que por sua vez ataca Alckimin. E o Ciro, mesmo fazendo parte de um dos blocos, busca destacar-se como o caminho do meio, da resolução dos problemas, da competência e combate aos extremismos, da retomada do crescimento e da justiça social apelando para o apoio de candidatos que certamente não irão para o segundo turno.


No entanto, tudo isso é como se fosse um grande nó embolado de tal forma que a única opção é cortar o excesso para tentar uma reconexão. Reconectar à luta de classes. O que todos os candidatos têm em comum é o completo descompromisso com a superação do modelo econômico capitalista, impossível de ser gerido sem crise. A gestão do capital por reformistas ou neoliberais é algo que já acontece comumente desde longa data e o limite da gestão é não permitir o colapso do capitalismo. O que todos eles estão dizendo no final das contas é algo como: “no meu governo o capitalismo será melhor gerido de forma a não deixar o mercado colapsar ao passo que as sobras serão ofertadas aos menos favorecidos tal como sempre foi nas sociedades capitalistas. Que o mercado escolha o melhor.”


O ritual formal do voto infelizmente não é o determinante para a manutenção de um determinado governo. Se assim fosse, diversos governos inclusive de caráter reformista/progressista como é o caso de Allende no Chile e Jacobo Árbenz na Guatemala teriam persistido e influenciado no sentido de uma política de distribuição de renda, reforma agrária, estatização da economia e dos setores produtivos e participação popular nos processos decisórios. Nunca houve, para além de meras e rápidas experiências, perenidade desses governos tendo seus projetos frustrados por golpes de Estado financiados pelo capital imperialista.


O cenário atual não guarda diferenças tão bruscas com relação a como opera o capital e sua gestão. Grosso modo, o que define os rumos políticos não é a habilidade de um determinado candidato em enfrentar uma crise com uma determinada equipe de ministros propondo uma série de novas leis ou reformas. Por isso, o esforço em eleger um candidato competente capaz de brecar o avanço neoliberal ou as forças fascistas é absolutamente inócuo do ponto de vista prático.

O avanço da direita é um fenômeno mundial. Junto veio o neofascismo que em alguns países é parte integrante do governo, como na Ucrânia, Portugal, Espanha, Índia, etc. Na Suíça a ultra-direita teve 29% dos votos. Na Áustria, 26%.
O fascismo nunca deixou (nem deixará) de ser parte constitutiva do Estado burguês. O fascismo sofreu rejeição desde o final da segunda Guerra Mundial, passando pelas décadas de 60 e 70, mas hoje está perfeitamente adaptado à sociedade civil e ao Estado como um todo, isso sem contar com o mundo empresarial que é onde reside o grosso da força fascista e de onde sai o financiamento para a manutenção dessas forças.
Por isso, o slogan de Ciro não passa de mera propaganda enganosa que captura desde anarquistas desesperados a neoliberais moderados ou democratas esperançosos. 
Como essas forças progressistas e conservadoras estão altamente aparelhadas e organizadas, boa parte da população é simplesmente tragada pelos partidos e coligações abandonando a luta pela autogestão dos meios de produção e o enfrentamento real contra o capitalismo deixando-se cair no vazio do “antifascismo”, onde cabe até mesmo policiais humanistas a favor de um Estado menos opressor.

Não existe Estado humano, tampouco capitalismo humano. Ambas forças são complementares uma dependendo intrinsecamente da outra com a intenção de expandir e conquistar novos territórios espoliando cada vez mais as riquezas naturais e a força do trabalhador.
O desespero criado pela polaridade institucional burguesa cria ele mesmo o antídoto capaz de ludibriar a população limitado na escolha do menos pior, que fará a população abdicar mais uma vez da luta radical contra a exploração capitalista atrasando a luta e a emancipação de uma forma geral. Nesse sentido, o nó das eleições amarra os interesses da classe dominante sem alterar substancialmente o estado de coisas.
A luta pragmática legitimamente encabeçada de uma forma geral pela esquerda tente a depositar mais uma vez as esperanças na democracia burguesa ainda que esta venha demonstrando total incapacidade de comportar até mesmo as diversidades que diz respeitar no seu interior.
Dado rapidamente este breve panorama ao passo que não se pode excluir como elemento constitutivo dos processos políticos a disputa eleitoral burguesa, parte expressiva da população permanece absorta e indiscutivelmente apartada das disputas eleitorais, mas que também permanecem sem muita alteração significativa pela ausência quase completa de organização. 2013 foi a prova cabal de que a população que rejeitou o sistema político neoliberal naquele momento gerido pelo PT foi também incapaz de se colocar como bloco organizado capaz de apresentar um projeto antagônico ao capital e à democracia burguesa.
Se o foco da luta está nas eleições falsamente justificado na manutenção do Estado democrático de direitos, é pouco provável que haja condições de direcionar a luta para outro lado. Não há mais como contar com a colaboração dos políticos profissionais da esquerda burocrática pelo simples motivo de não ter espaço para a luta popular no interior do Estado burguês.
O que explica, por exemplo, em plena decadência permanente da educação e da saúde não ter ainda explodido em todo território nacional uma greve generalizada e articulada da defesa intransigente de um modelo societário popular e verdadeiramente inclusiva? No caso, por exemplo, das universidades a razão é que os interesses nesse momento giram exclusivamente em torno das eleições. O professorado e a burocracia acadêmica não querem radicalizar ou desvirtuar a luta para o âmbito popular. Insistem em manter o controle.
Não se trata também de atestar a paralisia das massas. A população reage de acordo com suas possibilidades e leituras de mundo e de uma forma ou de outra defendem um projeto social. Não ignoramos a polaridade, mas também não podemos nos encerrar nesse limite. Greves e paralisações houveram muitas. O setor público de uma forma geral funciona acompanhando a dinâmica eleitoral. Para isso servem os DCE´s e sindicatos.
Romper com este modelo e minimamente forçar a modificação ainda que gradual na correlação de forças requer pensar a função da esquerda no contemporâneo. Como se dará o processo e as lutas sociais daqui pra frente? Pensar a esquerda para pensar a história. Pensar a história para pensar a organização. Pensar a organização para repensar a revolução. Impossível nestes termos evitar o confronto num primeiro momento no interior da esquerda para num segundo momento atuar de forma eficaz nas ocupações dos espaços públicos, das instituições e aparelhos públicos, da produção e gestão das forças produtivas, do confronto estrutural, portanto, com a máquina estatal e formas de mercado.
Já percebemos que o avanço das forças conservadoras faz parte do seu movimento contínuo. Desde que não encontre força material capaz de fazer frente ao seu avanço contínuo, será este o futuro da sociedade. Este avanço age em conformidade com a justiça burguesa e forças coercivas. A forma como o Estado encontra de garantir essa manutenção é desequilibrando os investimentos priorizando a alta burocracia estatal, exército e polícias em detrimento de todo o resto. Essa é a prova de que a contenção deve sempre ser reforçada para superar o volume de forças que se acumulam dispostas a não só fissurar, mas em tratorar tal barreira que mostra-se cada vez menos intransponível.

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