Estamos
vivendo um momento decisivo na história do Brasil e em várias partes do mundo
onde levantes da extrema-direita mudou o cenário político, como foi o caso da
Ucrânia, onde este setor se organizou em amplas frentes de batalha contra a influência da Rússia em claro alinhamento com o imperialismo deixando claro também o seu viés
fascista ultra-nacionalista. O colapso do neoliberalismo e os interesses das
potências atuais é central para compreendermos o acirramento das tensões
sociais e os caminhos que essas tensões vêm tomando. Por um lado capitalistas
buscam frear as tensões por métodos demasiadamente conhecidos historicamente
(como a recriação de um imaginário fatalista e a clássica repressão brutal
contra qualquer movimentação contrária a forma-mercado), e por outro lado
reformistas/progressistas (vistos genericamente como a esquerda) insistem num
plano de reforma das instituições sem qualquer aceno de radicalismo crendo
cegamente na luta parlamentar como única saída possível apostando na
conciliação com a burguesia curvando-se na medida em que desfruta de vantagens.
Nenhuma das duas opções (ou forças políticas) são capazes de contribuir
decisivamente para a superação da relação ultrajante que o capital submete
populações inteiras. O enfrentamento e a organização na defesa do comunismo
continua sendo imprescindível à emancipação e superação do capitalismo.
Podemos
dizer com segurança que a direita tomou muitos países de assalto excluindo a
fração progressista do poder por meio de golpes de Estado de diferentes matizes
onde se utiliza não só o exército, mas, sobretudo a força da comunicação a
serviço do imperialismo e da manutenção da dominação de classe. A inacreditável
concentração de renda criou uma diferença abissal entre trabalhadores e donos
dos meios de produção (a burguesia) o que força a classe dominante a criar
explicações e intervenções diretas sobre as contradições geradas pelo próprio
sistema que essa mesma classe defende. Nas últimas eleições a direita angariou
29% de votos na Suiça, 26% na Áustria, 21% na Dinamarca, 17% na Suécia, 13% na
Holanda, sem contar com países do Leste Europeu, República Tcheca 11%,
Eslováquia 8% e com Polônia 19%. O avanço também foi notório na França, Grécia,
Itália, Portugal e Espanha, Alemanha, Rússia, Ìndia, Turquia e Inglaterra. A
expressividade da extrema-direita no parlamento reflete a enorme adesão ao
fascismo (ou a valores fascistas) nas sociedades, que penetra e corrói cada vez
mais em alguns casos configurando-se em guerras civis ou a constante iminência
de tais conflitos, o que demanda todo um esforço em legitimar os massacres por
meio de políticas segregacionistas e excludentes que é visto como solução para
problemas da ordem da estrutura e funcionalidade do capital. Inverter este
cenário demandará força por meio de ampla unidade, estratégia e sistematicidade
no empenho das lutas sociais o que coloca fora de questão a resolução dentro
dos limites do parlamento e legalidade burguesa, pois estes são a causa do
problema. A inversão dessa relação de poder se dá por meio de movimentos
organizados e de massa na defesa de um programa revolucionário com o uso da
violência. Peter Gelderloos em “Como a não-violência protege o Estado” trata a
questão da seguinte forma:
“Se um movimento não é uma
ameaça, não pode mudar um sistema baseado na violência e na coerção
centralizada, e se esse movimento não se dá conta nem exercita o poder que o
faz ser uma ameaça, ele não pode destruir tal sistema. No mundo de hoje,
governos e corporações controlam quase todo o monopólio do poder, do qual um
dos aspectos mais importantes é a violência. A menos que mudemos as relações de
poder (e, preferencialmente, destruamos a infraestrutura e a cultura de poder centralizado para tornar
impossível a subjugação da maioria por uma minoria), aqueles que atualmente se
beneficiam da onipresença da estrutura da violência, que controlam o exército,
os bancos, as burocracias, e as corporações, continuarão tomando as decisões. A
elite não pode ser persuadida por apelos à sua consciência. Indivíduos que
mudam suas ideias e encontram uma moralidade melhor serão despedidos,
impedidos, substituídos, desaparecidos, mortos.”
É
claro que o uso da violência por parte dos trabalhadores é assunto muito
complexo; não deve ser algo feito sem uma reflexão sobre as consequências de
tais atos ou de como usar dessa força como forma de ampliar o movimento e não
de fragilizá-lo. Mas diante do cenário atual de um governo como o de Bolsonaro
onde a besta fera está à solta, os trabalhadores em algum momento vão ter que
lidar com isso, pois do contrário serão simplesmente, como colocado acima,
trucidados. Infelizmente até este momento não há qualquer sinal de unidade ampla
contra o fascismo, mas havendo greves, manifestações ou qualquer espécie de
protesto a violência estatal lá estará presente configurando-se na prática como
terrorismo de Estado contrariando a construção discursiva de direitistas de uma
suposta ameaça dos movimentos de esquerda quando na verdade estes se mantém
quase sempre nos limites de reivindicações da ordem legal de direitos e
conquistas legítimas da classe trabalhadora. A polícia, ou simplesmente o
cidadão de bem, fará uso indiscutível da violência reacionária contra os movimentos
populares ou qualquer tipo de ação crítica que venha afetar a moral ou a ética
fascista. Nem precisa de muito para acionar a truculência da direita. Está
chovendo de casos nos jornais de assassinatos motivados por banalidades como
brigas de trânsito ou desavenças que fere o frágil orgulho reacionário. A
polícia está ainda mais violenta e genocida, agora autorizada a dar asas a já
comum e usual brutalidade enquanto se formam espectadores em torno de tragédias
que poderia estar desde já sendo evitadas com o combate eficaz à reação
burguesa o que, obviamente, é insuficiente dentro dos limites da legalidade. Os
novos governantes eleitos como Wilson Witzel e João Doria estão dando carta
branca à polícia para que matem o quanto for necessário ao mesmo tempo em que
seus governos balançam a cada dia com novos casos de corrupção o que é
absolutamente normal entre a direita.
A
violência está cada vez mais presente, estimulada e banalizada, praticada por
uma direita raivosa e atormentada pelos seus fantasmas históricos causando
ainda mais insegurança e medo entre a população, que por sua vez se vê forçada
ou a aderir a um discurso de mais segurança por meio de armas na suposta defesa
da família, da moral (o que na verdade aquece o mercado da guerra com a venda
de mais armas) e dos bons costumes, ou a legitimar mais aparato policial o que
triplica a violência otimizando a completa destruição dos movimentos populares
garantindo o avanço e sobrevivência do capital e dos grandes interesses
econômicos. Todo esse jogo nunca se configura como um problema meramente local,
mas sim da ordem global. Sem dúvida, o que se vive hoje é a volta de sistemas
autoritários de poder onde a força bruta garante a manutenção do capitalismo
configurando nova etapa do fascismo na história moderna o que coloca a classe
trabalhadora como única força capaz de superar este estado de coisas, mas não
sem grandes enfrentamentos em tensões cada vez mais agudas e graves.
A
direita sempre esteve aí. Ela nunca foi novidade na sociedade capitalista. Para
pensar este processo devemos percorrer um longo processo que começa com as
revoluções burguesas. Há eventos históricos marcantes que também mostram como
essa burguesia agiu para liquidar a possibilidade de concretização de um modelo
outro que não o capitalismo como foi o caso da Comuna de Paris em 1871.
Combater a direita é o dever de todos que se situam no largo espectro da
esquerda, pois todo esse espectro está ameaçado com a força da direita que
ceifou até mesmo forças progressistas da participação política baseando seus
discursos numa legitimidade a-histórica, portanto, anti-social, excludente onde
se reforça sobretudo a brutal hegemonia burguesa que se vê forçada a agir como
classe diante dos descaminhos do capital. O nível de violência está público e
não há que haver dúvida sobre como age e agirá o Estado daqui para frente nas
áreas proletárias, contra professores que manifestam insatisfações ou demais
setores organizados. Isso sem mencionar as ocupações, como a Aldeia Maracanã
que foi chamado por um parlamentar do PSL como lixo devendo dar lugar a algum
empreendimento capitalista. O que está colocado é repressão previamente
legitimada e isso será o alimento para um público sedento por sangue em nome de
um nacionalismo subserviente.
A
conjuntura atual desse primeiro semestre de 2019 pede organizações de atos
públicos chamando as massas a ocupar novamente locais estratégicos para
ampliação das lutas populares com a formação de blocos que forme resistências
efetivas contra o Estado e o capital. A função da direita agora é engrossar o
véu para que tudo seja visto de forma turva. É um jogo de poder tão medonho que
deve abrir os olhos dos trabalhadores em enfrentar tempos de acirramento. Mas
organizar-se contra essa força política e econômica requer conhecer bem a sua
história e suas artimanhas de poder. A primeira coisa que devemos ter certeza
sobre o diagnóstico da conjuntura atual é de que se houve uma ligeira reação
burguesa ela se deu por motivos políticos, mas, sobretudo, econômico. E como
provar isso? Ora, a partir da história e do próprio comportamento do capital em
garantir largas margens de lucro e monopólio mesmo diante de um malgrado corte
de verbas destinado a setores menos favorecidos. Para isso, pensemos a
historicidade das crises. Verbas faraônicas, como bem coloca a professora
Virgínia Fontes, foram destinadas a construir em tempo record aparelhos de
hegemonia tão virulentos que foram rapidamente incorporados por muitos setores
inclusive uma parcela da classe trabalhadora. O empresariado bancou pequenos
grupos iniciais que hoje são parlamentares ou formadores de opinião da
extrema-direita.
É
preciso lutar contra essa estrutura facínora. Essa luta, como bem coloca Ruy Mauro Marini,
vai em direção da resolução de problemas centrais do capital por meio de um
modelo econômico e político alternativo em escala global. É absolutamente falsa
a ideia que a direita tenta construir de uma hegemonia “esquerdista”. O que
temos é o velho sistema de mercadorias onde a vida humana é apenas uma
expressão da banalidade burguesa. Temos patrões e empregados, mão-de-obra
super-explorada altamente subalternizada e abundante principalmente em países
de capitalismo periférico. O caráter dessa dependência é muito bem exposto na
introdução, escrito por Roberta Traspadini e João Pedro Stedile, do livro Ruy
Mauro Marini, Vida e Obra.
“A dependência, no enfoque
marxista de Ruy Mauro Marini, é entendida como uma relação de subordinação
própria da forma como o capital e os interesses de seus donos se
internacionalizam de maneira cada vez mais integrada e intensificada. A
dependência é, assim, o mecanismo central de subordinação do território, do
espaço, dos sujeitos, dos países subdesenvolvidos, como forma de perpetuação do
poder de reprodução do capitalismo na esfera internacional. O
subdesenvolvimento e o desenvolvimento são entendidos como processos
indissociáveis e necessários para a evolução internacional do modo de produção
capitalista. Uma dependência que evidencia a integração de um processo que não
está posto para ser resolvido em termos de igualdade, exatamente porque se
nutre das relações desiguais. O desenvolvimento desigual, assim considerado, é
o resultado de uma relação também desigual entre os apropriadores privados
mundiais do capital, que atuam de maneira combinada para garantir a permanência
do seu modo de acumulação, e os trabalhadores explorados do mundo, que
sustentam essa esfera de acumulação global. Por esse motivo, resolver o
problema da dependência está diretamente associado à resolução dos problemas do
capitalismo. Ou seja, a dependência somente pode ser extirpada com a
instauração de um modelo com base distinta do capitalista, um modelo crítico
aos mecanismos de expropriação, exploração e apropriação privada do capital em
escala mundial.”
Por
outro lado, ao observar de que forma a classe trabalhadora se comporta hoje percebemos
um grande desafio por conta de fragilidades resultantes de enorme coação sobre
os trabalhadores. Temos uma classe trabalhadora acuada, imbecilizada por
valores religiosos e uma obediência servil ao patronato que se aproveita das
fragilidades dos trabalhadores para garantir sua onerosa forma de viver,
concentrando riqueza através da dominação econômica. O patrão, que nada produz
além da exploração da força de trabalho alheia, exige e se não for cumprida sua
exigência o trabalhador está assinando o atestado de desempregado. Uma classe
explora, a outra é explorada. Ora essa, mas qual condição a não ser esta é
possível numa sociedade que vai até os limites na exploração do trabalho? A exploração
chegou a um nível tal que a condição do desemprego é ainda mais tenebrosa e
indesejada. Segundo estatística oficial do IBGE (o que nem de longe reflete com
exatidão a magnitude do problema) são cerca de 13% de desempregados. Essa é a
realidade que faz com que, para manter sua condição de subalterno, o
trabalhador acaba por aderir a todo um conjunto de valores e práticas
impensáveis para aquele que está em condição desfavorável. Mas sabemos que nem
de longe são os trabalhadores em sua ampla experiência histórica que defendem e
garantem os regimes autoritários como o de Bolsonaro que tem claros contornos
fascistas. A parte expressiva que garante essa máquina vem de estratos sociais
mais abastados o que produz uma falsa ideia de consternação generalizada com a
suposta pandemia de corrupção perpetrada por governos de esquerda. A corrupção,
no entanto, não é a questão central. Somente um idiota acreditaria no caráter
imaculado de figuras como a família Bolsonaro, seu corpo de ministros
(militares e alguns civis) e demais asseclas, como os “meninos do MBL”. Estes
são profissionais da corrupção e têm essa prática no DNA.
Por
outro lado, é inacreditável e assustador do ponto de vista da emancipação
humana ouvir de um trabalhador (que exerce um trabalho desvalorizado) que é
contra os direitos humanos, ou que odeia a esquerda ou ainda que é favorável a
pena de morte e que a polícia deve ser mais valorizada e que a reforma
trabalhista é necessária ou que espera um bom governo do atual presidente
golpista Jair Bolsonaro. Esta é uma parcela que torna-se cada vez mais
expressiva entre trabalhadores subalternizados principalmente com baixa
escolaridade. O neoliberalismo simplesmente se faz valer da miséria estrutural
a que estão submetidos os trabalhadores enfiando goela abaixo que o correto é
dar toda sua energia para enriquecer ainda mais os patrões. Parece um sadismo
social generalizado. O trabalhador é convencido pelo medo da precariedade, da
falta, do desespero e não por gostar de sofrer, obviamente. Há todo um conjunto
de coações eficazes no controle do trabalhador tornando-se este um ser dócil e
afável. Os patrões se alimentam desse medo e extraem do trabalhador tudo que
este possa lhe oferecer: a sua eterna submissão. Pensar uma organização capaz
de dar conta desse desafio hoje é o ponto inicial e por mais que estejamos há
muitas milhas de distância de uma força revolucionária comunista, somente
começando agora essa organização se concretizará. O principal agora é retomar
as ocupações e greves impedindo que o Estado esmague os trabalhadores sem
qualquer resistência.
O
teatro dos absurdos virou uma novela política bizarra ou um filme surrealista
onde as coisas mais improváveis acontecem ainda assim não causando qualquer
ameaça ao capital. A principal característica deste governo, podemos dizer, é
sua incompetência e amadorismo na política, o que certamente agradou a muitos
desavisados e é o que na verdade funciona como fina película que oculta as
forças reais que estão por trás. A clara bestialidade de Bolsonaro e família é
fator que oculta a inteligência reacionária que age quase sempre sem mostrar a
cara. Reproduzir este lugar-comum de que “Bolsonaro é um burro” não nos ajuda a
compreender o perigoso cenário político que estamos. O agrado deste governo
parte da ira do discurso bolsonarista que funciona como elemento obnubilador de
suas fraquezas. Sua função primordial é dar novamente oxigênio ao capital,
reorganizar a economia de mercado e dar lugar novamente a outros governos de
cunho democrático, mas não sem antes passar pelas mãos de militares
comprometidos com políticas imperialistas muito longe de qualquer nacionalismo.
Está acontecendo algo muito parecido em diversos países do mundo como apontei
no início. Ao passo que se esfrega na cara de todos que Bolsonaro é somente um
testa-de-ferro cercado por militares e ministros como Paulo Guedes, economista
ultra-liberal adepto ao pensamento da Escola de Chicago, a população parece não
reagir e quando se manifesta prova da violência policial sem qualquer piedade
seja quem for que estiver no caminho, homem, mulher, criança, estudantes,
trabalhadores autônomos ou professores, desempregados ou lutadores sociais.
Tudo é colocado num mesmo saco como inimigo interno. Pensemos, em primeiro
lugar: como Bolsonaro chegou ao poder? E o que isso significa concretamente?
Pensemos este processo.
As
tentativas mais recentes de manifestação e organização dos trabalhadores em
frentes diferentes de sindicatos e partidos de uma forma geral vêm sendo mal
sucedidas. Desde as experiências de 2013 não se logrou grandes manifestações
apesar da crise ter se acentuado acompanhado da brutal violência policial,
sobretudo contra os mais pobres. Em 2014 o MPL ainda organizou pulaços na
Central do Brasil no Rio de Janeiro até que a controversa morte do jornalista
Santiago Andrade da TV Bandeirantes em 6 de fevereiro provocou um desfecho
trágico. A polícia logo se adiantou responsabilizando os próprios manifestantes
pelo crime, mas sabemos bem qual foi o papel deles naquele episódio e em muitos
outros. A polícia foi peça fundamental na desarticulação dos movimentos sociais
por meio não só da violência, mas da inteligência de Estado, infiltrando
policiais à paisana nas manifestações de forma a desestabilizar o movimento. Os
policiais entravam nas manifestações provocando distúrbios e reações violentas
legitimando a repressão e logo em seguida entravam nos cordões policiais,
vestiam a farda e voltavam novamente a espancar trabalhadores. Essas ações
foram filmadas exaustivamente e ainda assim não se conseguiu provar a
participação do Estado na própria desordem que eles criticavam em entrevistas
aos canais de TV da burguesia. Os largos investimentos do governo PT no aparato
policial também favoreceu a criminalização dos movimentos sociais, assim como o
uso da Lei Anti-terrorismo sancionado por Dilma Rousseff o que blindou o Estado
contra reivindicações mais profundas da classe trabalhadora fazendo com que
esta aceitasse de bom grado tudo que o Estado poderia oferecer naquele momento:
migalhas. O resultado direto desse investimento é que o estado está matando
mais, isso tudo com o aval da legalidade burguesa que legitima suas ações no
controle da criminalidade quando na verdade trata-se da contenção de um surto
social resultado das difíceis condições sociais que estão submetidos milhões de
trabalhadores o que resulta em massacres televisionados diariamente e uma
incrível resignação social.
Em
2011, chegou ao Brasil o movimento Occupy influenciado pelos movimentos dos EUA
e Europa onde ocorreram importantes ocupações em grandes centros urbanos. No
Rio de Janeiro, a praça da Cinelândia foi ocupada, mas rapidamente cedeu a
falta de organização e, claro, a repressão, que se aproveitou na medida em que
atacou diretamente no ponto fraco: a desorganização. Num primeiro momento a
guarda municipal abordou o movimento alegando que não poderiam estar ali por
uma questão da postura municipal. Num segundo momento, a polícia buscou líderes
e como não encontraram, eles mesmos elegem os tais líderes a despeito da
própria organização como infalível estratégia de criminalização narrado pela
mídia burguesa em seu espetáculo diário. A mídia, a violência burguesa e a
inteligência de Estado, portanto, são elementos sem os quais não haveria a
desarticulação dos movimentos de esquerda abrindo a brecha para o presidente
atual que se afirmou por meio de sucessivos golpes e esquemas políticos
nefastos.
O
OcupaRio fervilhou de gente, assembleias cheias, muitos artistas, militantes,
etc. Naquela ocasião eu estava organizado numa frente anarquista e a avaliação
que fizemos não foi boa. Partimos do princípio que a espontaneidade
comprometeria por completo a ocupação. Foi dito e feito. Essa forma de
organização precária e espontânea impediu o reagrupamento e reestruturação da
ocupação. Algumas forças estavam ali presentes. Os grupos identitários
predominantes conflitam, inclusive com os moradores de rua que já habitavam a
praça muito antes de qualquer manifestação política. Houve uma cena lamentável.
Alguns ocupantes, não sabendo lidar com o comportamento de um morador de rua,
chamou a polícia para reprimir uma determinada situação o que demonstra claramente
o caráter pequeno burguês de ativistas com orientação pós-moderna. A falta de
uma orientação política coletiva contribuiu para a dissolução da ocupação
voltando à dinâmica normal da praça em pouco tempo. Mike Davis afirma que “um
dos fatos mais importantes sobre a revolta atual (ele aqui se refere ao Occupy
Wall Street) é simplesmente que ela ocupou as ruas e criou uma identificação
espiritual com os desabrigados”. Essa afirmação na experiência local não se
aplicou. O que se verificou foi justamente o contrário. Na cozinha, por exemplo,
lá estavam negros e mulheres. Para Mike Davis, “a generalidade do Occupy Wall
Street é o fato de ter libertado alguns dos imóveis mais caros do mundo e
transformado uma praça privada em um magnético e catalisador espaço público de
protestos” Mas as comissões funcionavam, havia espaço de formação e trocas a
todo momento. Fiz algumas filmagens e o que mais me interessava eram os debates
espontâneos. Filmei um longo debate entre um militante anarquista e um sujeito
reformista defendendo as eleições e a candidatura do Freixo, enquanto os ânimos
se alteravam cada vez mais. A esquerda festiva lá estava sem qualquer ação
propositiva, mas encantada com as muitas gentes ali envolvidas.
Qualquer
ocupação do espaço público terá mil contradições e dificilmente terá êxito sem
uma rígida disposição em enfrentar todo um conjunto de contradições até que se
fortaleça o espírito coletivo capaz de reagrupar-se e ganhar cada vez mais
corpo obedecendo a um programa, o que de fato inexistiu nas experiências das
ocupações e continua inexistindo nos dias atuais. A função da organização é
esclarecer para si própria o que se quer ali para além das ótimas trocas que se
dão, dos agenciamentos e possíveis fissuras. Naquela altura, o que estava em
debate era o direito à cidade. Um texto que me ajudou a pensar isso foi
“Pátria, empresa e mercadoria”, de Carlos Vainer. A cidade é uma pátria, é
defendida como tal, expulsa seus invasores; é uma empresa, gera lucros,
explora; a cidade é, sobretudo, uma mercadoria sendo negociada a nível das
transações internacionais. Isso quer dizer que seus territórios estão à venda e
a gestão é do capital internacional e não dos interesses e necessidades reais
da população. Por isso, os espaços públicos têm essa nomenclatura apenas
formalmente.
O
centro do Rio até então tornou-se uma fortaleza onde qualquer sinal de ocupação
popular é imediatamente reprimida pelos cães do Estado. Os cães que não pensam
e só obedecem. O centro econômico da cidade serve aos homens do poder. Mas
muito antes do OcupaRio diversas ocupações foram reprimidas. Os sem-teto sempre
sofreram esse tipo de tratamento por parte do Estado. Organizações como FIST e
MTST vêm desde muito antes sofrendo a criminalização do Estado acobertado e
difundido pela mídia burguesa (Globo, SBT, Record, Band, etc). Dois filmes que
ilustram bem essa situação são Hiato e Atrás da Porta, do diretor Vladimir
Seixas. Na medida em que o Estado necessita dispor os territórios ao completo
interesse do mercado, as famílias são vistas como parte dos escombros também
precisando ser removidas e despejadas quase sempre da pior forma possível,
sofrendo humilhações. No filme Atrás da Porta a polícia militar junto com os
bombeiros e a guarda municipal agem com a máxima truculência possível como se
ali não existissem seres humanos. A prefeitura destinou caminhões de lixo para transportar
os pertences dos sem-teto. Os jogos olímpicos, a Copa do Mundo e a alta
especulação urbana expulsou de uma forma ou de outra os verdadeiros donos
locais.
Todo
o conjunto das lutas que emergiram no pós-2008 estão intimamente ligadas à
crise estrutural do capital, neste caso permanentemente vinculado à especulação
do capital financeiro. Não a toa, a reação da ultra-direita começa a ganhar
corpo neste momento aumentando as tensões sociais na Grécia primeiramente. Na
verdade, o fenômeno da reação burguesa é mundial (como colocado inicialmente),
o que logo em seguida veio a desembocar na mais pura violência fascista como
resposta a crise, responsabilizando fundamentalmente a esquerda e os
trabalhadores e não o capital e todo o seu conjunto sócio-metabólico como força
propulsora da degenerescência humana. Pois bem, ainda sob governo petista
supostamente capaz de proporcionar algum tipo de bem estar à população, a crise
obviamente não deixaria de atingir o Brasil, que naquele momento estabelecia
todo um conjunto de acordos internacionais, o que não evitaria o colapso
futuro. E por que a crise é um fenômeno próprio do capitalismo? Ora, desde o
início do período da modernidade que compreende o século XVII em diante,
passando pelas revoluções burguesas e a industrialização, o capitalismo
demonstra que sua sobrevivência está diretamente relacionada a capacidade de
explorar a força de trabalho e os recursos naturais de forma desmedida e
irresponsável como forma de impulsionar mercados por meio de monopólios e concentração
de riqueza. Não a toa, a grave crise econômica de 2008 foi avaliada como ainda
mais destrutiva que a crise de 1929. Devemos voltar um pouco antes agora para
entender um fenômeno próprio do capitalismo: a crise.
A
crise, ao passo que é um elemento constitutivo do sistema econômico
capitalista, pode ser determinante para o proletariado criando aquilo que
denominamos condição pré-revolucionária. Em primeiro lugar é mais do que
necessário compreendermos que vivemos numa sociedade cindida basicamente entre
duas classes que se antagonizam no processo de produção e divisão social do
trabalho: a burguesia e o proletariado. Uma detém o monopólio do Estado, da
jurisdição que visa o completo controle da classe trabalhadora, da violência e,
sobretudo, dos meios de produção. A outra vende sua mão-de-obra como única
coisa capaz de incluí-la na lógica societária da subordinação em troca de um
salário incapaz até mesmo de garantir a básica necessidade do trabalhador. No
entanto, obviamente que essas duas classes não se comportam como dois únicos
grandes blocos homogêneo e monocromático. Compreender as classes sociais só é
possível a partir de uma leitura crítica da atual configuração do mundo do
trabalho que, como bem coloca Richard Sennett em A Corrosão do Caráter, se
flexibilizou tornando-se ainda mais predatório. Quem produz a riqueza hoje
continuam sendo os trabalhadores, mas estes subdividem-se em trabalhadores
empregados, desempregados, precariado, lumpem-proletariado, autônomos,
terceirizados, burocratas, etc.
A
classe trabalhadora não está somente em fábricas como no início da modernidade
ou bairros proletários organizados como extensões do local de trabalho como foi
a industrialização no Brasil. Ela, a classe trabalhadora, perdeu sua
consciência que fora substituída por uma consciência que a escraviza ao invés
de tornar-se ela mesma responsável pela gestão dos meios de produção de acordo
com suas próprias demandas libertando o trabalho da produção fetichista e
alienante do mercado capitalista. O liberalismo enquadrou a classe, como bem
coloca Bernard Eldeman, legalizando suas demandas, ou seja, controlando os seus
destinos. As estruturas de defesa da classe como sindicatos e partidos
tornaram-se inimigos da própria classe ao passo que trocou a liberdade por
direitos democráticos. A luta instituiu-se no interior do Estado burguês.
Em
segundo lugar, é preciso esclarecer a natureza do capitalismo e do Estado
burguês. O capitalismo é um sistema sócio-econômico que tem por função
reproduzir-se num movimento auto-expansivo e que para manter sua vitalidade
produz mais-valia. Ou seja, o capitalista como verdadeiro dono dos meios de
produção apropria-se de parte da mão-de-obra não paga na forma de lucro. Para
funcionar como tal, o capitalismo necessita da manutenção da propriedade
privada ao passo que constrói uma ideia de coletividade em torno da nação
formado por amplo espectro político e econômico, ideológico e cultural. A nação
supõe um espírito comum entre os mais díspares segmentos sociais que se
antagonizam na divisão social do trabalho. A jurisdição na verdade é a garantia
de que essa unidade nacional não se esfacele na primeira conturbação social. O
Estado é a unidade legitimada a garantir a manutenção e o funcionamento dessa
sociedade altamente contraditória. Dentro desse processo, o Estado defende,
sobretudo, os interesses da burguesia beneficiando também as classes auxiliares
parasitárias. O Estado burguês é aquele que garante o funcionamento econômico
do neoliberalismo atuando como força motriz nesse processo.
Todos
os governos desde o nascimento da república no Brasil tiveram como função
primordial regular as contradições de classe por meio da máquina estatal
passando por regimes e forças políticas diversas. O segundo ponto é ter a
completa certeza da falência do progressismo seja liberal ou de esquerda para
dar uma reposta eficaz contra o inimigo de classe. Historicamente nunca foi
função da social-democracia tampouco os democratas, pensar e lutar pela revolução
declarando rompimento contra a ordem capitalista burguesa. O que o golpe de
Estado de 2016 no Brasil nos mostrou foi a completa desmoralização do PT e sua
completa incapacidade de enfrentar a reação da direita e do fascismo prezando
sempre possíveis resoluções intra-parlamentar desde a democracia representativa
que é uma forma assertiva de excluir a participação popular. Apesar de ter sido
expulso do jogo tendo sido o maior jogador do time preso, ainda suplica pela
participação na democracia burguesa deixando claro o interesse reformista dos
partidos políticos de esquerda. É simplesmente surreal! O reformismo servil dos
partidos políticos e infelizmente uma parte expressiva dos sindicatos mostra
para nós a dimensão do problema. Mas a responsabilidade pelo fracasso atual de
organização das massas populares ainda que esteja longe de ser resolvido com
eficiência deve ser pensado desde já como um processo de lutas e de acirramento
das tensões sociais. A resignação abjeta do reformismo é a cama que deita o
fascismo. A direita possui as suas fragilidades e é aí que se deve começar a
atacar. Mesmo que o racismo, o sexismo e o preconceito de classe esteja agora
ressurgindo com pretensão de enfraquecer as lutas e torná-las motivo para
criminalização abominando a ciência e avanços importantes, a resposta deve
surgir não como lutas separadas, mas dentro de uma relação de classes ainda que
com especificidades de cada setor. A luta anticapitalista é global e classista.
Um
terceiro ponto a se notar é um longo arrefecimento dos autonomistas e setores
revolucionários. A falta de resposta efetiva desses setores (que organizaram
importantes atos em 2011 e 2013), deixa os conservadores e a direita de uma
forma geral mais seguros. Essa segurança, na verdade, é o resultado de um
cirúrgico desmantelamento das manifestações e organizações políticas como
coloquei anteriormente com relação à ação policial que seguramente age sob
orientação da ABIN. E por fim, o caráter ditatorial do Estado burguês (agora
sob comando da ultra-direita e dos empresários e milicos), ainda que velado,
sob o fino manto da legalidade é evidente e letal aos trabalhadores, altamente
repressivo e reacionário. A configuração do Estado hoje tem função basicamente
de implementar a base da criminalização e da violência uma nova etapa do
capitalismo predatório e em profunda crise trazendo novamente à tona o fascismo
como força capaz de resolver o problema central do capital.
A
mão-de-obra na medida em que não sucumbe a formar novos exércitos de reserva é
super-explorada agora com a novidade da flexibilização da exploração do
trabalho. A resposta liberal ao aprofundamento das contradições gerando tensões
e mais tensões são basicamente as mesmas de sempre, ainda que incrementado com
novas sandices. A representação clara que a direita construiu de si própria é a
ignorância e o orgulho dessa ignorância como se isso representasse coragem e
ousadia em tempos de supostos valores invertidos o que sempre está
profundamente ligado à neutralização da classe trabalhadora. O orgulho da
ignorância gera truculência e alienação. O indivíduo continua tendo papel
central em todos os campos e a meritocracia é o resultado desse esforço
funcionando como termômetro. O quase completo descrédito da máquina estatal e
sobretudo do jogo parlamentar burguês é ironicamente usado a favor do próprio
Estado e do capital elegendo figuras como Bolsonaro. Os conflitos de interesses
mediado por tensões e desagrados presente principalmente na narrativa da
extrema-direita futuramente pode justificar boa parte dos fracassos ou
escândalos do governo Bolsonaro como forma de ocultar sua incapacidade para
resolver problemas da ordem estrutural. O que veremos (e já estamos vendo) ao
longo desse mandado é a defesa do interesse do grande empresário, das
privatizações de forma ainda mais acentuada e diversas outras formas de regresso
e manutenção do status quo. Todo esse conjunto de fatores coloca em questão o
caráter anti-stablishment do qual Bolsonaro de referencia (claro que essa
referência ao establishment na visão racionaria está ligada ao PT).
Como,
então, foi possível uma figura como Bolsonaro, um sujeito visivelmente
desqualificado em diversos sentidos, preconceituoso, hostil às reivindicações
de amplo caráter popular e autoritário pôde vir à tona como presidente? Bom,
ainda que o executivo seja importante, ele não é determinante para, por
exemplo, prosseguir com um determinado projeto sem aquiescência de outros
setores da máquina estatal burguesa, da economia e das forças armadas. E acima
de tudo, o que é de fato determinante é a aprovação do setor hegemônico da
classe burguesa e não determinado conjunto de valores que este candidato possui.
Quem manda, em última instância, é o capital e não Bolsonaro. Por isso, a
construção mítica da realidade é a comparação mais adequada, pois ela parece
querer superar um problema social com algum salvador que seja praticamente um
enviado por deus, imaculado, justo, sincero e que saiba usar a autoridade ainda
que seja necessário alguns excessos. A ligação com o exército é perfeita, pois
no imaginário social essa força supostamente defende o interesse geral e com a
sua aprovação a legalidade (ao passo que é reivindicada) está suspensa sendo
qualquer ação promovida pelo Estado justificável por qualquer necessidade
inventada como a manutenção da ordem social. Por que há o interesse pela
manutenção da ordem? E o que é a ordem? Esse interesse em primeiro lugar é
criado como uma necessidade vital de uma sociabilidade civilizada,
cotidianamente estabelecida a partir da barbárie. A ordem não é uma
necessidade, mas sim uma imposição direta sobre os “cidadãos”. Os cidadãos são
supostamente todos que compõe a sociedade, vivem e trabalham, mas que nem todos
gozam dos mesmos direitos devido às distintas condições de classe. Assim, uns
são mais cidadãos que outros, mas todos são equalizados dentro dessa categoria
abstrata criada, claro, como forma de controle juridicamente estabelecido que
garante a imposição de um determinado modelo econômico e político. O
conservador luta pela ordem, pela justiça e brada nos jornais contra os
excessos do poder que muitas vezes parece tomar um rumo próprio. O progressista
faz a crítica vulgar abrindo mão do confronto de classe porque preza a
conciliação como forma de conquistar garantias ainda que dentro dos limites
parlamentares, mas que de toda forma se afasta dos trabalhadores por defender
interesses partidários.
O
Estado passa a não ser mais responsável pelos resultados de suas próprias
ações. Não importa se morreu um morador ou bandidos. O Estado fez o seu dever e
continuará matando e todos os excessos são resolvidos entre si, sem qualquer
intromissão o que obviamente garante todo um conjunto de impunidade. O policial
pode matar com a certeza de que nada acontecerá no sentido de fragilizá-lo. Essa
construção mítica de um salvador ou de um governo salvador, é ela mesma a
representação de um governo aparentemente forte, mas que sem todo um invólucro
cai como um jogo de cartas. A segurança do governo está na certeza de novos
rumos econômicos a seu favor e, mais uma vez, da garantia das forças armadas em
agir em conformidade aos mesmos interesses.
O
culto à violência promovido pela extrema-direita condensado na figura do
presidente que faz gestos de arminha com um sorriso forçado age a partir do
contagiante afeto do ódio que está sempre direcionado ao outro que é
representado na figura fictícia do comunismo. Transformar o reformismo senil de
partidos políticos em comunistas pode parecer algo absurdo da ordem da
ignorância liberal, mas é estrategicamente importante mais uma vez na
neutralização da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo em que percebemos a
necessidade da organização sabemos que do que diz respeito à conscientização
dos trabalhadores pouco foi feito, sendo nesse sentido importante as lutas que
surgem nas favelas como consequência do total descaso.
O
governo Bolsonaro é o ajuste de contas com a classe trabalhadora na sua forma
crua e vil sendo contra tudo que possa favorecer em concessões, benefícios
fraturando os trabalhadores ainda mais comprometendo sua chance de se
emancipar. Toda bizarrice que Bolsonaro representa parece nesse contexto ter se
tornado o de menos. Superar a ignorância que representa uma figura abjeta como
Bolsonaro é só um primeiro passo. A questão central está em como construir um
poder popular capaz de superá-lo.
O
anti-petismo virulento foi e é imprescindível para o reestabelecimento da
extrema-direita. Aqui, somente um adendo: no Brasil, a direita sempre foi força
dominante. A política reacionária é algo que devemos compreender. Ela é cheia
de mecanismos e estratégias que convence um público sedento por respostas ou
explicações sobre os rumos e as causas das crises e contradições, o que pode
ser algo absolutamente normal em tempos conturbados. No entanto, a política
reacionária não quebra o imobilismo social. Pelo contrário, reforça o marasmo.
De uma forma geral as pessoas continuam insatisfeitas mesmo sendo esclarecidas
(segundo a orientação fascista) sobre os responsáveis pela crise que é sempre o
outro. O fascismo forja um jogo discursivo difícil de ser quebrado. Isso porque
ele se retroalimenta dispensando qualquer visão que não passe pelo seu crivo. É
aí que o senso comum entra como suporte protagonizando, ainda que de forma
efêmera, a política reacionária, muitas vezes sequer se dando conta disso. Por
isso, o fascismo sai limpo, pois por mais que os verdadeiros protagonistas
sejam os militares e políticos de extrema-direita, tem-se a sensação de
movimento em direção contrária. Em outras palavras, o senso comum sente com
isso que está contribuindo para uma mudança no estado de coisas.
O
senso comum não é algo possível de se erradicar, porque simplesmente faz parte
da estrutura societária. Cada sociedade forja o seu próprio senso comum. De uma
forma geral, ele é o grande espectro social que comporta um determinado
conjunto de informações e um conhecimento limitado sobre fenômenos recorrentes,
nem por isso de fácil compreensão. A ultra-simplificação também age no sentido
de distorcer a compreensão de tais fenômenos produzindo um consenso
absolutizado por meio da repetição. No caso mais específico das sociedades
capitalistas, o senso comum é aquele que garante a reprodução dos valores
capitalistas e relações verticalizadas. “Manda quem pode, obedece quem tem
juízo.” Quem nunca ouviu?! Esse tipo de enunciado não deixa brechas, é de fácil
assimilação e tem função social importante: manter as relações de
subalternidade intocáveis. Essa é uma forma perfeita de controle que poupa o
patrão tornando os funcionários responsáveis pela sua própria condição. O senso
comum é, portanto, o suporte que inexoravelmente legitima, estimula e propagandeia
os valores e acima de tudo o projeto político da direita. O absurdo, a
truculência, o ódio de classe e todo um conjunto de bizarrices simplesmente não
gera mais nenhum tipo de levante cabendo apenas aguardar, torcer ou lamentar.
Do ponto de vista histórico é tenebroso o que está acontecendo no país e no
mundo. Tão logo a situação tornar-se-á insustentável restando apenas a
violência como via para a resolução dos problemas.
O
que os comunistas devem fazer a partir de agora é construir unidade forte o
suficiente para enfrentar as adversidades que estão colocadas. A posse de
Bolsonaro e de tudo que o cerca é simplesmente impensável de se admitir. Não
são comunistas os social democratas, reformistas/progressistas e nacionalistas.
Estes também são uma ameaça a liberdade. Os partidos ajudam a girar a
engrenagem da máquina capitalista. Os comunistas são revolucionários. Lutam
pela emancipação coletiva e pela destruição do estado de coisas e sua
consequente superação. O reformismo senil nunca na história da luta de classes
foi capaz de confrontar frontalmente as contradições do capitalismo. Basta
assistir o filme sobre a vida de Rosa Luxemburgo dirigido por Margarethe von
Trotta e perceber o desenvolvimento e interesses concretos da social democracia
alemã. Estamos passando por um momento decisivo na história mundial. Como lutar
contra a barbárie? A revolução é uma questão de vida ou morte porque nos coloca
absolutamente contra as formas de poder legitimadas pelo Estado e pela classe
dominante. A economia e a política são pontos-chave para se lograr êxito juntamente
com a educação. É preciso novamente ativar a máquina da propaganda comunista a
tal ponto de não deixar mais brechas ao conservadorismo e também ao fascismo.
Tão logo o governo Bolsonaro cairá desalentando as forças revolucionárias de
sua função. O governo cairá cedo ou tarde, pois aproveita-se da ingenuidade das
massas abrindo todos os campos para o oportunismo da burguesia.
São
momentos de crise estrutural do capital que as condições objetivas para uma
revolução surgem requerendo formas antagônicas de poder. A educação está sendo
instrumentalizada pelo fascismo. A política consolidou-se como política do medo
e a história e seus conceitos foram completamente invertidos favorecendo os
donos do poder. Organizações menores, clandestinas, claro, há de surgir
primeiro como forma de obter e organizar informações para futura eliminação dos
inimigos de classe. Há de se pensar formas de desestabilizar a república
burguesa quebrando seus alicerces. A luta por dentro do Estado tornar-se-á
insustentável a tal ponto de sobrar apenas os velhos reformistas e oportunistas
de sempre que também devem ser neutralizados. As organizações políticas deverão
ser, portanto, como centros da inteligência revolucionária, mas que não
decidirá o futuro das lutas sozinhos. Agora, neste exato momento, há de se
produzir respostas e análises concretas sobre o fascismo brasileiro. A
violência deve ser usada aliada à inteligência na cobrança de figuras centrais
do Estado burguês. A neutralização dos inimigos de classe é necessária para
demonstrar a toda população que ninguém está imune, nem os homens de armas, nem
os chefes de Estado, nem o mais simples entusiasta direitista. A forma de se
enfrentar o poder do capital hoje não é a mesma de períodos revolucionários
anteriores como a passagem do século XIX para o XX. As organizações políticas
na medida em que se distanciam do comunismo inviabilizam por completo a tomada
do poder e sucumbirão como escravos. Não há piedade para o poder. O poder é
força determinante. Ao mesmo tempo que assombra, liberta. Ao mesmo tempo em que
ceifa vidas, promove a mais completa insubmissão aos que desejam nos fazer
curvar. Não há mais tempo para romantismo. São muito poucos os que querem
realmente lutar. A revolta ativa um movimento em cadeia e o seu combustível é a
consciência de classe. Na medida em que não há organizações capazes de seguir à
risca o movimento revolucionário, posterga-se eternamente a materialização do
poder popular, o único capaz de dar luz ao comunismo. A revolução é agora.
Uma
mensagem como essa está hoje neste exato momento mais para o campo da ficção ou
da realidade de fato? Digamos que de certa forma os dois. A história, no
entanto, nada tem de ficcional. Ela é o movimento concreto dos processos
sociais que resultam em modificações nas mais variadas dimensões, tanto do
ponto de vista estrutural ou não. Não basta somente um exercício de imaginação
para se pensar o processo revolucionário. Para que aconteça uma revolução é
precisamente necessário uma crise de tal proporção do capitalismo que de alguma
forma comprometa sua hegemonia evidenciando contradições intra-burguesa. As crises
do capitalismo acirram as tensões provocando levantes espontâneos das massas
populares, desde saques a justiçamentos. No entanto, essas forças por agir
meramente por um impulso legítimo contra o cenário de austeridade de forma
desorganizada não consegue dar cabo do seu principal objetivo: a revolução
social. Enfrentar um longo processo revolucionário é algo que está para além da
nossa imaginação. A maioria de nós nunca presenciou ou participou de um
processo revolucionário. É preciso pensar primeiramente como se deu os
processos revolucionários anteriores. A história, portanto, é o nosso ponto de
partida.
Uma
revolução só é possível quando um grupo organizado de pessoas comungam
interesses se não os mesmos muito próximos a ponto de pegar em armas contra o
inimigo. Numa sociedade cindida entre classes que se antagonizam nas relações
de trabalho a revolução é o caminho que se faz até a extinção das classes
sociais numa mudança estrutural com relação ao trabalho. A revolução é um
processo de inversão das relações de poder. Obviamente que não dormimos e
acordamos num lindo dia onde tudo mudou. Sabemos que a mudança a nível do poder
requer a tomada desse poder por meios violentos. A despolitização das massas de
trabalhadores os colocam na maioria das vezes na defesa dos mesmos interesses
da classe dominante num delírio de que um dia poderá ser também bem sucedido no
capitalismo. O trabalhador é adestrado a crer na meritocracia como uma espécie
de recompensa pelos bons serviços prestados. A consciência difusa e confusa do
trabalhador torna-se ainda mais inofensiva na medida em que adere aos valores
da teologia da prosperidade de igrejas evangélicas. Por isso, o primeiro passo
para a revolução não é necessariamente pegar em armas. O primeiro passo para a
revolução é a conscientização. Esse processo é voltado para o proletariado, mas
isso não quer dizer que sujeitos oriundos de outra classe social não possa
reivindicar-se comunista.
Existe um pensamento que diz que se um
determinado sujeito faz parte de uma classe social, seja ela qual for, ele não
pode pensar nem agir fora dos limites de sua classe de origem. Em primeiro
lugar, as classes sociais existem, mas se modificam de acordo com o tempo
justamente pelas diversas movimentações que atravessam essas relações. Luckács
e Engels, por exemplo, eram oriundos de uma classe social dominante, mas
utilizaram todos os seus recursos, físico, financeiro
e intelectual, para a inversão das relações de poder no campo social na defesa
da revolução proletária. Engels era filho de um grande industrial. Podemos
perceber no filme de Raoul Peck todas as consequências das suas escolhas
políticas. Numa das cenas do filme O Jovem Marx mostra Engels dialogando com
trabalhadores irlandeses quando estes simplesmente rejeitam a presença do
burguês no mesmo ambiente que os demais. Mas foi Engels que escreveu uma das
maiores referências sobre a condição da classe operária na Inglaterra,
muitíssimo elogiado por Marx. Tanto um burguês pode voltar-se contra as
estruturas em que está inserido como um trabalhador pode defender fielmente os
valores da burguesia. Neste caso, a ação permanente e sistemática da produção
de valores capitalistas trabalham neste contínuo convencimento das classes
populares na defesa intransigente do capital. Em segundo lugar, esse pensamento
estanque das relações sociais trabalha com a ideia de irreversibilidade da
relação entre capital e trabalho naturalizando as relações de poder tal como aí
está configurada. No caso de um determinado sujeito de uma classe social mais
abastada que aos poucos adquire consciência de classe (através da luta política
orientada para a resolução das contradições entre capital e trabalho e do
desenvolvimento e leitura da teoria revolucionária), isso soa como uma espécie
de hipocrisia aos olhos principalmente daqueles que ainda insistem em defender
como prioridade os interesses da classe dominante.
Daqui
para frente é preciso discutir o fascismo ininterruptamente de forma ampla e
pública. É preciso encorajar as pessoas ao enfrentamento e a reflexão crítica.
Outra saída não há. Mas só se enfrenta uma situação a partir da compreensão do
contexto histórico e da conjuntura atual. Ou seja, o enfrentamento depende de
um processo de conscientização. A vantagem da comunicação em nosso tempo, ainda
que paradoxal, não pode resumir-se ao espetáculo. Tal parafernália mostra-se
como elemento sem o qual a unidade estará longe de concretizar-se. O fascismo
hodierno guarda semelhanças com o fascismo do entre guerras, mas adaptou-se,
nem por isso camuflando-se (sim, ele continua explícito e orgulhoso), voltando
como solução salvacionista para um velho problema: a crise estrutural do
capital. A novidade não é tão nova assim; tem nova roupagem, mas age tal qual
no passado, de forma absoluta e implacável. Seu principal inimigo continua
sendo a classe trabalhadora organizada e o pensamento revolucionário. Portanto,
a forma de combater esta força continua sendo por meio de força material capaz
de simplesmente eliminar numa guerra de classes seus inimigos, aliado a um
processo social incapaz de associar-se ao fascismo na superação do capitalismo.
Este é o último estágio da luta, mas até lá há um meio caminho a percorrer. A
insurreição violenta contra o fascismo ocorrerá, cedo ou tarde.
Como
podemos identificar o fascismo hoje? É cada vez mais difícil responder a esta
pergunta. O alto grau de desqualificação do debate promovido de forma maciça
pelo empresariado foi o muro construído contendo as reações legítimas contra
toda opressão gerada pelo capitalismo. A burguesia entra nesse jogo para
embaralhar as peças gerando uma completa confusão entre os interlocutores que
se vêem bombardeados de informações discordantes, mas nem por isso
esclarecedoras principalmente por acompanhar estes debates em redes sociais onde
cabe a direita fundamentalmente desqualificar os argumentos de forma jocosa
numa tentativa eficaz de anular o pensamento diferente do seu disparando no
outro a sua própria miséria em níveis nunca visto antes. O que está acontecendo
agora é simplesmente incrível, surreal. Foi tão forte o investimento em
propaganda, quadros e teóricos, políticos profissionais, empresas de
comunicação, etc., que o significado da própria existência humana foi
transformada num apêndice do capitalismo e das relações de mercado regido por
uma lógica burocrática altamente opressora. Boa parte da população está
convencida de que o capitalismo é a última forma de sociabilidade humana e que
qualquer alternativa a este modelo é motivo de escárnio e descrédito. A
ignorância bebe da sua própria loucura.
Revelar
o fascismo é ainda mais confuso quando parte da classe trabalhadora se
convence, a partir de um processo de desilusão política, de que é preciso
diferenciar o regime, ainda que seja autoritário, elegendo bestas-feras como Bolsonaro.
A comunicação hegemônica é a porta-voz do fascismo, portanto, não seria ela o
melhor referencial para se compreender este fenômeno. Na internet, a quantidade
de visualizações inegavelmente é de canais de extrema-direita que disputam o
termo fascismo desassociando-o ao capitalismo, sua gênese. Publiquei um texto
recentemente especificamente sobre o espetáculo midiático entre esquerda e
direita no youtube. O combate ao fascismo começa por identifica-lo e
compreender essa manifestação de forma a relacionar o seu principal interesse
que é a manutenção desesperada do capitalismo e da forma-mercado na defesa
inquestionável da propriedade privada dos meios de produção. Se fosse um jogo
de ligar, daqueles que fazíamos quando éramos criança, ainda que com linhas
embaraçadas quase todos os pontos de lá do passado poderiam ser ligados com o
fascismo de hoje fechando os pontos.
A
direita manobrou a tal ponto de associar o fascismo a esquerda, ratificando a
necessidade da sua eliminação. Não a toa o comunismo continua causando grande
temor entre as elites. É claro que esse comunismo que a extrema-direita de uma
forma geral afirma com todas as letras existir é outro absurdo que precisa ser
desfeito com muito cuidado, pois são muitos nós. O debate histórico é
fundamental neste caso, não a toa são os professores principais alvos do
fascismo contemporâneo. E o fascismo não brinca em serviço. Tudo o que
Bolsonaro afirmou irá se cumprir de forma determinante, inclusive a eliminação
de opositores políticos. Essa reorganização do campo social é um eufemismo para
criminalização, prisões e torturas. Agora, enfim, a tortura está mais do que
institucionalizada. Se o cidadão de bem está a vontade para gravar vídeos
dizendo que vai fazer e acontecer, imagina para a polícia que já faz isso
diariamente. As forças de repressão estão livres para matar. O fascismo é o
poder sobre a vida. É como se os abutres fizessem a festa.
A
ameaça é real e a cada passo do novo governo o relógio gira contra os
trabalhadores. A social democracia, ou simplesmente a esquerda institucional,
continuará no seu jogo formal, abrandando as coisas de forma quanto mais cínica
possível. É simplesmente inefável a congratulação de Haddad a Bolsonaro, o que
prova a completa incapacidade dos setores burocráticos de contribuir
decisivamente para esta luta. O fascismo institucionalizado é ainda mais eficaz
e tão logo defenestrará as forças de esquerda da vida política forçando todo o
conjunto da esquerda a pensar de forma organizada o enfrentamento contra as
forças fascistas.
A
cultura é importante front de batalha; ela não deve ceder ao pensamento
medíocre da direita sob o risco do seu completo desaparecimento ou esvaziamento
social. O cinema, a música, o teatro, a literatura e todos os demais campos da
criação humana devem servir para a emancipação dos homens cultivando o
pensamento revolucionário, intransigente às demandas do capital. O primeiro
passo emancipador, segundo Anselmo Lorenzo, consiste na emancipação da
ignorância. A comunicação também tem papel central na conscientização dos
trabalhadores, estudantes, jovens, adultos, homens e mulheres. São por meio
desses dutos que freamos o avanço do fascismo. Mas essa militância crítica por
meio da cultura já mostra seus limites no enfrentamento contra forças
reacionárias. Como combater o fascismo então? Com o uso da violência
revolucionária. É preciso construir novamente os movimentos de massa onde essa
força seja direcionada contra o inimigo de classe. O único caminho é o
enfrentamento direto por meio da força aliado à inteligência revolucionária. Se
não assumirmos uma posição na guerra, seremos simplesmente trucidados. Devemos
preparar os trabalhadores para conflitos cada vez mais intensos. Bolsonaro se
elegeu, portanto, dentro de todo esse caldo de conspirações, mas de um projeto
político sólido encampado pela classe dominante em visível crise estrutural em
sua forma societária burguesa. É urgente pensar a superação desse cenário
nefasto.
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