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A insurreição violenta contra o fascismo ocorrerá, cedo ou tarde.




Estamos vivendo um momento decisivo na história do Brasil e em várias partes do mundo onde levantes da extrema-direita mudou o cenário político, como foi o caso da Ucrânia, onde este setor se organizou em amplas frentes de batalha contra a influência da Rússia em claro alinhamento com o imperialismo deixando claro também o seu viés fascista ultra-nacionalista. O colapso do neoliberalismo e os interesses das potências atuais é central para compreendermos o acirramento das tensões sociais e os caminhos que essas tensões vêm tomando. Por um lado capitalistas buscam frear as tensões por métodos demasiadamente conhecidos historicamente (como a recriação de um imaginário fatalista e a clássica repressão brutal contra qualquer movimentação contrária a forma-mercado), e por outro lado reformistas/progressistas (vistos genericamente como a esquerda) insistem num plano de reforma das instituições sem qualquer aceno de radicalismo crendo cegamente na luta parlamentar como única saída possível apostando na conciliação com a burguesia curvando-se na medida em que desfruta de vantagens. Nenhuma das duas opções (ou forças políticas) são capazes de contribuir decisivamente para a superação da relação ultrajante que o capital submete populações inteiras. O enfrentamento e a organização na defesa do comunismo continua sendo imprescindível à emancipação e superação do capitalismo.
Podemos dizer com segurança que a direita tomou muitos países de assalto excluindo a fração progressista do poder por meio de golpes de Estado de diferentes matizes onde se utiliza não só o exército, mas, sobretudo a força da comunicação a serviço do imperialismo e da manutenção da dominação de classe. A inacreditável concentração de renda criou uma diferença abissal entre trabalhadores e donos dos meios de produção (a burguesia) o que força a classe dominante a criar explicações e intervenções diretas sobre as contradições geradas pelo próprio sistema que essa mesma classe defende. Nas últimas eleições a direita angariou 29% de votos na Suiça, 26% na Áustria, 21% na Dinamarca, 17% na Suécia, 13% na Holanda, sem contar com países do Leste Europeu, República Tcheca 11%, Eslováquia 8% e com Polônia 19%. O avanço também foi notório na França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha, Alemanha, Rússia, Ìndia, Turquia e Inglaterra. A expressividade da extrema-direita no parlamento reflete a enorme adesão ao fascismo (ou a valores fascistas) nas sociedades, que penetra e corrói cada vez mais em alguns casos configurando-se em guerras civis ou a constante iminência de tais conflitos, o que demanda todo um esforço em legitimar os massacres por meio de políticas segregacionistas e excludentes que é visto como solução para problemas da ordem da estrutura e funcionalidade do capital. Inverter este cenário demandará força por meio de ampla unidade, estratégia e sistematicidade no empenho das lutas sociais o que coloca fora de questão a resolução dentro dos limites do parlamento e legalidade burguesa, pois estes são a causa do problema. A inversão dessa relação de poder se dá por meio de movimentos organizados e de massa na defesa de um programa revolucionário com o uso da violência. Peter Gelderloos em “Como a não-violência protege o Estado” trata a questão da seguinte forma:

“Se um movimento não é uma ameaça, não pode mudar um sistema baseado na violência e na coerção centralizada, e se esse movimento não se dá conta nem exercita o poder que o faz ser uma ameaça, ele não pode destruir tal sistema. No mundo de hoje, governos e corporações controlam quase todo o monopólio do poder, do qual um dos aspectos mais importantes é a violência. A menos que mudemos as relações de poder (e, preferencialmente, destruamos a infraestrutura e a cultura de poder centralizado para tornar impossível a subjugação da maioria por uma minoria), aqueles que atualmente se beneficiam da onipresença da estrutura da violência, que controlam o exército, os bancos, as burocracias, e as corporações, continuarão tomando as decisões. A elite não pode ser persuadida por apelos à sua consciência. Indivíduos que mudam suas ideias e encontram uma moralidade melhor serão despedidos, impedidos, substituídos, desaparecidos, mortos.”

É claro que o uso da violência por parte dos trabalhadores é assunto muito complexo; não deve ser algo feito sem uma reflexão sobre as consequências de tais atos ou de como usar dessa força como forma de ampliar o movimento e não de fragilizá-lo. Mas diante do cenário atual de um governo como o de Bolsonaro onde a besta fera está à solta, os trabalhadores em algum momento vão ter que lidar com isso, pois do contrário serão simplesmente, como colocado acima, trucidados. Infelizmente até este momento não há qualquer sinal de unidade ampla contra o fascismo, mas havendo greves, manifestações ou qualquer espécie de protesto a violência estatal lá estará presente configurando-se na prática como terrorismo de Estado contrariando a construção discursiva de direitistas de uma suposta ameaça dos movimentos de esquerda quando na verdade estes se mantém quase sempre nos limites de reivindicações da ordem legal de direitos e conquistas legítimas da classe trabalhadora. A polícia, ou simplesmente o cidadão de bem, fará uso indiscutível da violência reacionária contra os movimentos populares ou qualquer tipo de ação crítica que venha afetar a moral ou a ética fascista. Nem precisa de muito para acionar a truculência da direita. Está chovendo de casos nos jornais de assassinatos motivados por banalidades como brigas de trânsito ou desavenças que fere o frágil orgulho reacionário. A polícia está ainda mais violenta e genocida, agora autorizada a dar asas a já comum e usual brutalidade enquanto se formam espectadores em torno de tragédias que poderia estar desde já sendo evitadas com o combate eficaz à reação burguesa o que, obviamente, é insuficiente dentro dos limites da legalidade. Os novos governantes eleitos como Wilson Witzel e João Doria estão dando carta branca à polícia para que matem o quanto for necessário ao mesmo tempo em que seus governos balançam a cada dia com novos casos de corrupção o que é absolutamente normal entre a direita.
A violência está cada vez mais presente, estimulada e banalizada, praticada por uma direita raivosa e atormentada pelos seus fantasmas históricos causando ainda mais insegurança e medo entre a população, que por sua vez se vê forçada ou a aderir a um discurso de mais segurança por meio de armas na suposta defesa da família, da moral (o que na verdade aquece o mercado da guerra com a venda de mais armas) e dos bons costumes, ou a legitimar mais aparato policial o que triplica a violência otimizando a completa destruição dos movimentos populares garantindo o avanço e sobrevivência do capital e dos grandes interesses econômicos. Todo esse jogo nunca se configura como um problema meramente local, mas sim da ordem global. Sem dúvida, o que se vive hoje é a volta de sistemas autoritários de poder onde a força bruta garante a manutenção do capitalismo configurando nova etapa do fascismo na história moderna o que coloca a classe trabalhadora como única força capaz de superar este estado de coisas, mas não sem grandes enfrentamentos em tensões cada vez mais agudas e graves.
A direita sempre esteve aí. Ela nunca foi novidade na sociedade capitalista. Para pensar este processo devemos percorrer um longo processo que começa com as revoluções burguesas. Há eventos históricos marcantes que também mostram como essa burguesia agiu para liquidar a possibilidade de concretização de um modelo outro que não o capitalismo como foi o caso da Comuna de Paris em 1871. Combater a direita é o dever de todos que se situam no largo espectro da esquerda, pois todo esse espectro está ameaçado com a força da direita que ceifou até mesmo forças progressistas da participação política baseando seus discursos numa legitimidade a-histórica, portanto, anti-social, excludente onde se reforça sobretudo a brutal hegemonia burguesa que se vê forçada a agir como classe diante dos descaminhos do capital. O nível de violência está público e não há que haver dúvida sobre como age e agirá o Estado daqui para frente nas áreas proletárias, contra professores que manifestam insatisfações ou demais setores organizados. Isso sem mencionar as ocupações, como a Aldeia Maracanã que foi chamado por um parlamentar do PSL como lixo devendo dar lugar a algum empreendimento capitalista. O que está colocado é repressão previamente legitimada e isso será o alimento para um público sedento por sangue em nome de um nacionalismo subserviente.
A conjuntura atual desse primeiro semestre de 2019 pede organizações de atos públicos chamando as massas a ocupar novamente locais estratégicos para ampliação das lutas populares com a formação de blocos que forme resistências efetivas contra o Estado e o capital. A função da direita agora é engrossar o véu para que tudo seja visto de forma turva. É um jogo de poder tão medonho que deve abrir os olhos dos trabalhadores em enfrentar tempos de acirramento. Mas organizar-se contra essa força política e econômica requer conhecer bem a sua história e suas artimanhas de poder. A primeira coisa que devemos ter certeza sobre o diagnóstico da conjuntura atual é de que se houve uma ligeira reação burguesa ela se deu por motivos políticos, mas, sobretudo, econômico. E como provar isso? Ora, a partir da história e do próprio comportamento do capital em garantir largas margens de lucro e monopólio mesmo diante de um malgrado corte de verbas destinado a setores menos favorecidos. Para isso, pensemos a historicidade das crises. Verbas faraônicas, como bem coloca a professora Virgínia Fontes, foram destinadas a construir em tempo record aparelhos de hegemonia tão virulentos que foram rapidamente incorporados por muitos setores inclusive uma parcela da classe trabalhadora. O empresariado bancou pequenos grupos iniciais que hoje são parlamentares ou formadores de opinião da extrema-direita.
É preciso lutar contra essa estrutura facínora.  Essa luta, como bem coloca Ruy Mauro Marini, vai em direção da resolução de problemas centrais do capital por meio de um modelo econômico e político alternativo em escala global. É absolutamente falsa a ideia que a direita tenta construir de uma hegemonia “esquerdista”. O que temos é o velho sistema de mercadorias onde a vida humana é apenas uma expressão da banalidade burguesa. Temos patrões e empregados, mão-de-obra super-explorada altamente subalternizada e abundante principalmente em países de capitalismo periférico. O caráter dessa dependência é muito bem exposto na introdução, escrito por Roberta Traspadini e João Pedro Stedile, do livro Ruy Mauro Marini, Vida e Obra.
“A dependência, no enfoque marxista de Ruy Mauro Marini, é entendida como uma relação de subordinação própria da forma como o capital e os interesses de seus donos se internacionalizam de maneira cada vez mais integrada e intensificada. A dependência é, assim, o mecanismo central de subordinação do território, do espaço, dos sujeitos, dos países subdesenvolvidos, como forma de perpetuação do poder de reprodução do capitalismo na esfera internacional. O subdesenvolvimento e o desenvolvimento são entendidos como processos indissociáveis e necessários para a evolução internacional do modo de produção capitalista. Uma dependência que evidencia a integração de um processo que não está posto para ser resolvido em termos de igualdade, exatamente porque se nutre das relações desiguais. O desenvolvimento desigual, assim considerado, é o resultado de uma relação também desigual entre os apropriadores privados mundiais do capital, que atuam de maneira combinada para garantir a permanência do seu modo de acumulação, e os trabalhadores explorados do mundo, que sustentam essa esfera de acumulação global. Por esse motivo, resolver o problema da dependência está diretamente associado à resolução dos problemas do capitalismo. Ou seja, a dependência somente pode ser extirpada com a instauração de um modelo com base distinta do capitalista, um modelo crítico aos mecanismos de expropriação, exploração e apropriação privada do capital em escala mundial.”

Por outro lado, ao observar de que forma a classe trabalhadora se comporta hoje percebemos um grande desafio por conta de fragilidades resultantes de enorme coação sobre os trabalhadores. Temos uma classe trabalhadora acuada, imbecilizada por valores religiosos e uma obediência servil ao patronato que se aproveita das fragilidades dos trabalhadores para garantir sua onerosa forma de viver, concentrando riqueza através da dominação econômica. O patrão, que nada produz além da exploração da força de trabalho alheia, exige e se não for cumprida sua exigência o trabalhador está assinando o atestado de desempregado. Uma classe explora, a outra é explorada. Ora essa, mas qual condição a não ser esta é possível numa sociedade que vai até os limites na exploração do trabalho? A exploração chegou a um nível tal que a condição do desemprego é ainda mais tenebrosa e indesejada. Segundo estatística oficial do IBGE (o que nem de longe reflete com exatidão a magnitude do problema) são cerca de 13% de desempregados. Essa é a realidade que faz com que, para manter sua condição de subalterno, o trabalhador acaba por aderir a todo um conjunto de valores e práticas impensáveis para aquele que está em condição desfavorável. Mas sabemos que nem de longe são os trabalhadores em sua ampla experiência histórica que defendem e garantem os regimes autoritários como o de Bolsonaro que tem claros contornos fascistas. A parte expressiva que garante essa máquina vem de estratos sociais mais abastados o que produz uma falsa ideia de consternação generalizada com a suposta pandemia de corrupção perpetrada por governos de esquerda. A corrupção, no entanto, não é a questão central. Somente um idiota acreditaria no caráter imaculado de figuras como a família Bolsonaro, seu corpo de ministros (militares e alguns civis) e demais asseclas, como os “meninos do MBL”. Estes são profissionais da corrupção e têm essa prática no DNA.
Por outro lado, é inacreditável e assustador do ponto de vista da emancipação humana ouvir de um trabalhador (que exerce um trabalho desvalorizado) que é contra os direitos humanos, ou que odeia a esquerda ou ainda que é favorável a pena de morte e que a polícia deve ser mais valorizada e que a reforma trabalhista é necessária ou que espera um bom governo do atual presidente golpista Jair Bolsonaro. Esta é uma parcela que torna-se cada vez mais expressiva entre trabalhadores subalternizados principalmente com baixa escolaridade. O neoliberalismo simplesmente se faz valer da miséria estrutural a que estão submetidos os trabalhadores enfiando goela abaixo que o correto é dar toda sua energia para enriquecer ainda mais os patrões. Parece um sadismo social generalizado. O trabalhador é convencido pelo medo da precariedade, da falta, do desespero e não por gostar de sofrer, obviamente. Há todo um conjunto de coações eficazes no controle do trabalhador tornando-se este um ser dócil e afável. Os patrões se alimentam desse medo e extraem do trabalhador tudo que este possa lhe oferecer: a sua eterna submissão. Pensar uma organização capaz de dar conta desse desafio hoje é o ponto inicial e por mais que estejamos há muitas milhas de distância de uma força revolucionária comunista, somente começando agora essa organização se concretizará. O principal agora é retomar as ocupações e greves impedindo que o Estado esmague os trabalhadores sem qualquer resistência.
O teatro dos absurdos virou uma novela política bizarra ou um filme surrealista onde as coisas mais improváveis acontecem ainda assim não causando qualquer ameaça ao capital. A principal característica deste governo, podemos dizer, é sua incompetência e amadorismo na política, o que certamente agradou a muitos desavisados e é o que na verdade funciona como fina película que oculta as forças reais que estão por trás. A clara bestialidade de Bolsonaro e família é fator que oculta a inteligência reacionária que age quase sempre sem mostrar a cara. Reproduzir este lugar-comum de que “Bolsonaro é um burro” não nos ajuda a compreender o perigoso cenário político que estamos. O agrado deste governo parte da ira do discurso bolsonarista que funciona como elemento obnubilador de suas fraquezas. Sua função primordial é dar novamente oxigênio ao capital, reorganizar a economia de mercado e dar lugar novamente a outros governos de cunho democrático, mas não sem antes passar pelas mãos de militares comprometidos com políticas imperialistas muito longe de qualquer nacionalismo. Está acontecendo algo muito parecido em diversos países do mundo como apontei no início. Ao passo que se esfrega na cara de todos que Bolsonaro é somente um testa-de-ferro cercado por militares e ministros como Paulo Guedes, economista ultra-liberal adepto ao pensamento da Escola de Chicago, a população parece não reagir e quando se manifesta prova da violência policial sem qualquer piedade seja quem for que estiver no caminho, homem, mulher, criança, estudantes, trabalhadores autônomos ou professores, desempregados ou lutadores sociais. Tudo é colocado num mesmo saco como inimigo interno. Pensemos, em primeiro lugar: como Bolsonaro chegou ao poder? E o que isso significa concretamente? Pensemos este processo.
As tentativas mais recentes de manifestação e organização dos trabalhadores em frentes diferentes de sindicatos e partidos de uma forma geral vêm sendo mal sucedidas. Desde as experiências de 2013 não se logrou grandes manifestações apesar da crise ter se acentuado acompanhado da brutal violência policial, sobretudo contra os mais pobres. Em 2014 o MPL ainda organizou pulaços na Central do Brasil no Rio de Janeiro até que a controversa morte do jornalista Santiago Andrade da TV Bandeirantes em 6 de fevereiro provocou um desfecho trágico. A polícia logo se adiantou responsabilizando os próprios manifestantes pelo crime, mas sabemos bem qual foi o papel deles naquele episódio e em muitos outros. A polícia foi peça fundamental na desarticulação dos movimentos sociais por meio não só da violência, mas da inteligência de Estado, infiltrando policiais à paisana nas manifestações de forma a desestabilizar o movimento. Os policiais entravam nas manifestações provocando distúrbios e reações violentas legitimando a repressão e logo em seguida entravam nos cordões policiais, vestiam a farda e voltavam novamente a espancar trabalhadores. Essas ações foram filmadas exaustivamente e ainda assim não se conseguiu provar a participação do Estado na própria desordem que eles criticavam em entrevistas aos canais de TV da burguesia. Os largos investimentos do governo PT no aparato policial também favoreceu a criminalização dos movimentos sociais, assim como o uso da Lei Anti-terrorismo sancionado por Dilma Rousseff o que blindou o Estado contra reivindicações mais profundas da classe trabalhadora fazendo com que esta aceitasse de bom grado tudo que o Estado poderia oferecer naquele momento: migalhas. O resultado direto desse investimento é que o estado está matando mais, isso tudo com o aval da legalidade burguesa que legitima suas ações no controle da criminalidade quando na verdade trata-se da contenção de um surto social resultado das difíceis condições sociais que estão submetidos milhões de trabalhadores o que resulta em massacres televisionados diariamente e uma incrível resignação social. 
Em 2011, chegou ao Brasil o movimento Occupy influenciado pelos movimentos dos EUA e Europa onde ocorreram importantes ocupações em grandes centros urbanos. No Rio de Janeiro, a praça da Cinelândia foi ocupada, mas rapidamente cedeu a falta de organização e, claro, a repressão, que se aproveitou na medida em que atacou diretamente no ponto fraco: a desorganização. Num primeiro momento a guarda municipal abordou o movimento alegando que não poderiam estar ali por uma questão da postura municipal. Num segundo momento, a polícia buscou líderes e como não encontraram, eles mesmos elegem os tais líderes a despeito da própria organização como infalível estratégia de criminalização narrado pela mídia burguesa em seu espetáculo diário. A mídia, a violência burguesa e a inteligência de Estado, portanto, são elementos sem os quais não haveria a desarticulação dos movimentos de esquerda abrindo a brecha para o presidente atual que se afirmou por meio de sucessivos golpes e esquemas políticos nefastos.
O OcupaRio fervilhou de gente, assembleias cheias, muitos artistas, militantes, etc. Naquela ocasião eu estava organizado numa frente anarquista e a avaliação que fizemos não foi boa. Partimos do princípio que a espontaneidade comprometeria por completo a ocupação. Foi dito e feito. Essa forma de organização precária e espontânea impediu o reagrupamento e reestruturação da ocupação. Algumas forças estavam ali presentes. Os grupos identitários predominantes conflitam, inclusive com os moradores de rua que já habitavam a praça muito antes de qualquer manifestação política. Houve uma cena lamentável. Alguns ocupantes, não sabendo lidar com o comportamento de um morador de rua, chamou a polícia para reprimir uma determinada situação o que demonstra claramente o caráter pequeno burguês de ativistas com orientação pós-moderna. A falta de uma orientação política coletiva contribuiu para a dissolução da ocupação voltando à dinâmica normal da praça em pouco tempo. Mike Davis afirma que “um dos fatos mais importantes sobre a revolta atual (ele aqui se refere ao Occupy Wall Street) é simplesmente que ela ocupou as ruas e criou uma identificação espiritual com os desabrigados”. Essa afirmação na experiência local não se aplicou. O que se verificou foi justamente o contrário. Na cozinha, por exemplo, lá estavam negros e mulheres. Para Mike Davis, “a generalidade do Occupy Wall Street é o fato de ter libertado alguns dos imóveis mais caros do mundo e transformado uma praça privada em um magnético e catalisador espaço público de protestos” Mas as comissões funcionavam, havia espaço de formação e trocas a todo momento. Fiz algumas filmagens e o que mais me interessava eram os debates espontâneos. Filmei um longo debate entre um militante anarquista e um sujeito reformista defendendo as eleições e a candidatura do Freixo, enquanto os ânimos se alteravam cada vez mais. A esquerda festiva lá estava sem qualquer ação propositiva, mas encantada com as muitas gentes ali envolvidas.
Qualquer ocupação do espaço público terá mil contradições e dificilmente terá êxito sem uma rígida disposição em enfrentar todo um conjunto de contradições até que se fortaleça o espírito coletivo capaz de reagrupar-se e ganhar cada vez mais corpo obedecendo a um programa, o que de fato inexistiu nas experiências das ocupações e continua inexistindo nos dias atuais. A função da organização é esclarecer para si própria o que se quer ali para além das ótimas trocas que se dão, dos agenciamentos e possíveis fissuras. Naquela altura, o que estava em debate era o direito à cidade. Um texto que me ajudou a pensar isso foi “Pátria, empresa e mercadoria”, de Carlos Vainer. A cidade é uma pátria, é defendida como tal, expulsa seus invasores; é uma empresa, gera lucros, explora; a cidade é, sobretudo, uma mercadoria sendo negociada a nível das transações internacionais. Isso quer dizer que seus territórios estão à venda e a gestão é do capital internacional e não dos interesses e necessidades reais da população. Por isso, os espaços públicos têm essa nomenclatura apenas formalmente.
O centro do Rio até então tornou-se uma fortaleza onde qualquer sinal de ocupação popular é imediatamente reprimida pelos cães do Estado. Os cães que não pensam e só obedecem. O centro econômico da cidade serve aos homens do poder. Mas muito antes do OcupaRio diversas ocupações foram reprimidas. Os sem-teto sempre sofreram esse tipo de tratamento por parte do Estado. Organizações como FIST e MTST vêm desde muito antes sofrendo a criminalização do Estado acobertado e difundido pela mídia burguesa (Globo, SBT, Record, Band, etc). Dois filmes que ilustram bem essa situação são Hiato e Atrás da Porta, do diretor Vladimir Seixas. Na medida em que o Estado necessita dispor os territórios ao completo interesse do mercado, as famílias são vistas como parte dos escombros também precisando ser removidas e despejadas quase sempre da pior forma possível, sofrendo humilhações. No filme Atrás da Porta a polícia militar junto com os bombeiros e a guarda municipal agem com a máxima truculência possível como se ali não existissem seres humanos. A prefeitura destinou caminhões de lixo para transportar os pertences dos sem-teto. Os jogos olímpicos, a Copa do Mundo e a alta especulação urbana expulsou de uma forma ou de outra os verdadeiros donos locais.
Todo o conjunto das lutas que emergiram no pós-2008 estão intimamente ligadas à crise estrutural do capital, neste caso permanentemente vinculado à especulação do capital financeiro. Não a toa, a reação da ultra-direita começa a ganhar corpo neste momento aumentando as tensões sociais na Grécia primeiramente. Na verdade, o fenômeno da reação burguesa é mundial (como colocado inicialmente), o que logo em seguida veio a desembocar na mais pura violência fascista como resposta a crise, responsabilizando fundamentalmente a esquerda e os trabalhadores e não o capital e todo o seu conjunto sócio-metabólico como força propulsora da degenerescência humana. Pois bem, ainda sob governo petista supostamente capaz de proporcionar algum tipo de bem estar à população, a crise obviamente não deixaria de atingir o Brasil, que naquele momento estabelecia todo um conjunto de acordos internacionais, o que não evitaria o colapso futuro. E por que a crise é um fenômeno próprio do capitalismo? Ora, desde o início do período da modernidade que compreende o século XVII em diante, passando pelas revoluções burguesas e a industrialização, o capitalismo demonstra que sua sobrevivência está diretamente relacionada a capacidade de explorar a força de trabalho e os recursos naturais de forma desmedida e irresponsável como forma de impulsionar mercados por meio de monopólios e concentração de riqueza. Não a toa, a grave crise econômica de 2008 foi avaliada como ainda mais destrutiva que a crise de 1929. Devemos voltar um pouco antes agora para entender um fenômeno próprio do capitalismo: a crise.
A crise, ao passo que é um elemento constitutivo do sistema econômico capitalista, pode ser determinante para o proletariado criando aquilo que denominamos condição pré-revolucionária. Em primeiro lugar é mais do que necessário compreendermos que vivemos numa sociedade cindida basicamente entre duas classes que se antagonizam no processo de produção e divisão social do trabalho: a burguesia e o proletariado. Uma detém o monopólio do Estado, da jurisdição que visa o completo controle da classe trabalhadora, da violência e, sobretudo, dos meios de produção. A outra vende sua mão-de-obra como única coisa capaz de incluí-la na lógica societária da subordinação em troca de um salário incapaz até mesmo de garantir a básica necessidade do trabalhador. No entanto, obviamente que essas duas classes não se comportam como dois únicos grandes blocos homogêneo e monocromático. Compreender as classes sociais só é possível a partir de uma leitura crítica da atual configuração do mundo do trabalho que, como bem coloca Richard Sennett em A Corrosão do Caráter, se flexibilizou tornando-se ainda mais predatório. Quem produz a riqueza hoje continuam sendo os trabalhadores, mas estes subdividem-se em trabalhadores empregados, desempregados, precariado, lumpem-proletariado, autônomos, terceirizados, burocratas, etc.
A classe trabalhadora não está somente em fábricas como no início da modernidade ou bairros proletários organizados como extensões do local de trabalho como foi a industrialização no Brasil. Ela, a classe trabalhadora, perdeu sua consciência que fora substituída por uma consciência que a escraviza ao invés de tornar-se ela mesma responsável pela gestão dos meios de produção de acordo com suas próprias demandas libertando o trabalho da produção fetichista e alienante do mercado capitalista. O liberalismo enquadrou a classe, como bem coloca Bernard Eldeman, legalizando suas demandas, ou seja, controlando os seus destinos. As estruturas de defesa da classe como sindicatos e partidos tornaram-se inimigos da própria classe ao passo que trocou a liberdade por direitos democráticos. A luta instituiu-se no interior do Estado burguês.
Em segundo lugar, é preciso esclarecer a natureza do capitalismo e do Estado burguês. O capitalismo é um sistema sócio-econômico que tem por função reproduzir-se num movimento auto-expansivo e que para manter sua vitalidade produz mais-valia. Ou seja, o capitalista como verdadeiro dono dos meios de produção apropria-se de parte da mão-de-obra não paga na forma de lucro. Para funcionar como tal, o capitalismo necessita da manutenção da propriedade privada ao passo que constrói uma ideia de coletividade em torno da nação formado por amplo espectro político e econômico, ideológico e cultural. A nação supõe um espírito comum entre os mais díspares segmentos sociais que se antagonizam na divisão social do trabalho. A jurisdição na verdade é a garantia de que essa unidade nacional não se esfacele na primeira conturbação social. O Estado é a unidade legitimada a garantir a manutenção e o funcionamento dessa sociedade altamente contraditória. Dentro desse processo, o Estado defende, sobretudo, os interesses da burguesia beneficiando também as classes auxiliares parasitárias. O Estado burguês é aquele que garante o funcionamento econômico do neoliberalismo atuando como força motriz nesse processo.
Todos os governos desde o nascimento da república no Brasil tiveram como função primordial regular as contradições de classe por meio da máquina estatal passando por regimes e forças políticas diversas. O segundo ponto é ter a completa certeza da falência do progressismo seja liberal ou de esquerda para dar uma reposta eficaz contra o inimigo de classe. Historicamente nunca foi função da social-democracia tampouco os democratas, pensar e lutar pela revolução declarando rompimento contra a ordem capitalista burguesa. O que o golpe de Estado de 2016 no Brasil nos mostrou foi a completa desmoralização do PT e sua completa incapacidade de enfrentar a reação da direita e do fascismo prezando sempre possíveis resoluções intra-parlamentar desde a democracia representativa que é uma forma assertiva de excluir a participação popular. Apesar de ter sido expulso do jogo tendo sido o maior jogador do time preso, ainda suplica pela participação na democracia burguesa deixando claro o interesse reformista dos partidos políticos de esquerda. É simplesmente surreal! O reformismo servil dos partidos políticos e infelizmente uma parte expressiva dos sindicatos mostra para nós a dimensão do problema. Mas a responsabilidade pelo fracasso atual de organização das massas populares ainda que esteja longe de ser resolvido com eficiência deve ser pensado desde já como um processo de lutas e de acirramento das tensões sociais. A resignação abjeta do reformismo é a cama que deita o fascismo. A direita possui as suas fragilidades e é aí que se deve começar a atacar. Mesmo que o racismo, o sexismo e o preconceito de classe esteja agora ressurgindo com pretensão de enfraquecer as lutas e torná-las motivo para criminalização abominando a ciência e avanços importantes, a resposta deve surgir não como lutas separadas, mas dentro de uma relação de classes ainda que com especificidades de cada setor. A luta anticapitalista é global e classista.
Um terceiro ponto a se notar é um longo arrefecimento dos autonomistas e setores revolucionários. A falta de resposta efetiva desses setores (que organizaram importantes atos em 2011 e 2013), deixa os conservadores e a direita de uma forma geral mais seguros. Essa segurança, na verdade, é o resultado de um cirúrgico desmantelamento das manifestações e organizações políticas como coloquei anteriormente com relação à ação policial que seguramente age sob orientação da ABIN. E por fim, o caráter ditatorial do Estado burguês (agora sob comando da ultra-direita e dos empresários e milicos), ainda que velado, sob o fino manto da legalidade é evidente e letal aos trabalhadores, altamente repressivo e reacionário. A configuração do Estado hoje tem função basicamente de implementar a base da criminalização e da violência uma nova etapa do capitalismo predatório e em profunda crise trazendo novamente à tona o fascismo como força capaz de resolver o problema central do capital.
A mão-de-obra na medida em que não sucumbe a formar novos exércitos de reserva é super-explorada agora com a novidade da flexibilização da exploração do trabalho. A resposta liberal ao aprofundamento das contradições gerando tensões e mais tensões são basicamente as mesmas de sempre, ainda que incrementado com novas sandices. A representação clara que a direita construiu de si própria é a ignorância e o orgulho dessa ignorância como se isso representasse coragem e ousadia em tempos de supostos valores invertidos o que sempre está profundamente ligado à neutralização da classe trabalhadora. O orgulho da ignorância gera truculência e alienação. O indivíduo continua tendo papel central em todos os campos e a meritocracia é o resultado desse esforço funcionando como termômetro. O quase completo descrédito da máquina estatal e sobretudo do jogo parlamentar burguês é ironicamente usado a favor do próprio Estado e do capital elegendo figuras como Bolsonaro. Os conflitos de interesses mediado por tensões e desagrados presente principalmente na narrativa da extrema-direita futuramente pode justificar boa parte dos fracassos ou escândalos do governo Bolsonaro como forma de ocultar sua incapacidade para resolver problemas da ordem estrutural. O que veremos (e já estamos vendo) ao longo desse mandado é a defesa do interesse do grande empresário, das privatizações de forma ainda mais acentuada e diversas outras formas de regresso e manutenção do status quo. Todo esse conjunto de fatores coloca em questão o caráter anti-stablishment do qual Bolsonaro de referencia (claro que essa referência ao establishment na visão racionaria está ligada ao PT).
Como, então, foi possível uma figura como Bolsonaro, um sujeito visivelmente desqualificado em diversos sentidos, preconceituoso, hostil às reivindicações de amplo caráter popular e autoritário pôde vir à tona como presidente? Bom, ainda que o executivo seja importante, ele não é determinante para, por exemplo, prosseguir com um determinado projeto sem aquiescência de outros setores da máquina estatal burguesa, da economia e das forças armadas. E acima de tudo, o que é de fato determinante é a aprovação do setor hegemônico da classe burguesa e não determinado conjunto de valores que este candidato possui. Quem manda, em última instância, é o capital e não Bolsonaro. Por isso, a construção mítica da realidade é a comparação mais adequada, pois ela parece querer superar um problema social com algum salvador que seja praticamente um enviado por deus, imaculado, justo, sincero e que saiba usar a autoridade ainda que seja necessário alguns excessos. A ligação com o exército é perfeita, pois no imaginário social essa força supostamente defende o interesse geral e com a sua aprovação a legalidade (ao passo que é reivindicada) está suspensa sendo qualquer ação promovida pelo Estado justificável por qualquer necessidade inventada como a manutenção da ordem social. Por que há o interesse pela manutenção da ordem? E o que é a ordem? Esse interesse em primeiro lugar é criado como uma necessidade vital de uma sociabilidade civilizada, cotidianamente estabelecida a partir da barbárie. A ordem não é uma necessidade, mas sim uma imposição direta sobre os “cidadãos”. Os cidadãos são supostamente todos que compõe a sociedade, vivem e trabalham, mas que nem todos gozam dos mesmos direitos devido às distintas condições de classe. Assim, uns são mais cidadãos que outros, mas todos são equalizados dentro dessa categoria abstrata criada, claro, como forma de controle juridicamente estabelecido que garante a imposição de um determinado modelo econômico e político. O conservador luta pela ordem, pela justiça e brada nos jornais contra os excessos do poder que muitas vezes parece tomar um rumo próprio. O progressista faz a crítica vulgar abrindo mão do confronto de classe porque preza a conciliação como forma de conquistar garantias ainda que dentro dos limites parlamentares, mas que de toda forma se afasta dos trabalhadores por defender interesses partidários.
O Estado passa a não ser mais responsável pelos resultados de suas próprias ações. Não importa se morreu um morador ou bandidos. O Estado fez o seu dever e continuará matando e todos os excessos são resolvidos entre si, sem qualquer intromissão o que obviamente garante todo um conjunto de impunidade. O policial pode matar com a certeza de que nada acontecerá no sentido de fragilizá-lo. Essa construção mítica de um salvador ou de um governo salvador, é ela mesma a representação de um governo aparentemente forte, mas que sem todo um invólucro cai como um jogo de cartas. A segurança do governo está na certeza de novos rumos econômicos a seu favor e, mais uma vez, da garantia das forças armadas em agir em conformidade aos mesmos interesses.
O culto à violência promovido pela extrema-direita condensado na figura do presidente que faz gestos de arminha com um sorriso forçado age a partir do contagiante afeto do ódio que está sempre direcionado ao outro que é representado na figura fictícia do comunismo. Transformar o reformismo senil de partidos políticos em comunistas pode parecer algo absurdo da ordem da ignorância liberal, mas é estrategicamente importante mais uma vez na neutralização da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo em que percebemos a necessidade da organização sabemos que do que diz respeito à conscientização dos trabalhadores pouco foi feito, sendo nesse sentido importante as lutas que surgem nas favelas como consequência do total descaso.
O governo Bolsonaro é o ajuste de contas com a classe trabalhadora na sua forma crua e vil sendo contra tudo que possa favorecer em concessões, benefícios fraturando os trabalhadores ainda mais comprometendo sua chance de se emancipar. Toda bizarrice que Bolsonaro representa parece nesse contexto ter se tornado o de menos. Superar a ignorância que representa uma figura abjeta como Bolsonaro é só um primeiro passo. A questão central está em como construir um poder popular capaz de superá-lo.
O anti-petismo virulento foi e é imprescindível para o reestabelecimento da extrema-direita. Aqui, somente um adendo: no Brasil, a direita sempre foi força dominante. A política reacionária é algo que devemos compreender. Ela é cheia de mecanismos e estratégias que convence um público sedento por respostas ou explicações sobre os rumos e as causas das crises e contradições, o que pode ser algo absolutamente normal em tempos conturbados. No entanto, a política reacionária não quebra o imobilismo social. Pelo contrário, reforça o marasmo. De uma forma geral as pessoas continuam insatisfeitas mesmo sendo esclarecidas (segundo a orientação fascista) sobre os responsáveis pela crise que é sempre o outro. O fascismo forja um jogo discursivo difícil de ser quebrado. Isso porque ele se retroalimenta dispensando qualquer visão que não passe pelo seu crivo. É aí que o senso comum entra como suporte protagonizando, ainda que de forma efêmera, a política reacionária, muitas vezes sequer se dando conta disso. Por isso, o fascismo sai limpo, pois por mais que os verdadeiros protagonistas sejam os militares e políticos de extrema-direita, tem-se a sensação de movimento em direção contrária. Em outras palavras, o senso comum sente com isso que está contribuindo para uma mudança no estado de coisas.
O senso comum não é algo possível de se erradicar, porque simplesmente faz parte da estrutura societária. Cada sociedade forja o seu próprio senso comum. De uma forma geral, ele é o grande espectro social que comporta um determinado conjunto de informações e um conhecimento limitado sobre fenômenos recorrentes, nem por isso de fácil compreensão. A ultra-simplificação também age no sentido de distorcer a compreensão de tais fenômenos produzindo um consenso absolutizado por meio da repetição. No caso mais específico das sociedades capitalistas, o senso comum é aquele que garante a reprodução dos valores capitalistas e relações verticalizadas. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Quem nunca ouviu?! Esse tipo de enunciado não deixa brechas, é de fácil assimilação e tem função social importante: manter as relações de subalternidade intocáveis. Essa é uma forma perfeita de controle que poupa o patrão tornando os funcionários responsáveis pela sua própria condição. O senso comum é, portanto, o suporte que inexoravelmente legitima, estimula e propagandeia os valores e acima de tudo o projeto político da direita. O absurdo, a truculência, o ódio de classe e todo um conjunto de bizarrices simplesmente não gera mais nenhum tipo de levante cabendo apenas aguardar, torcer ou lamentar. Do ponto de vista histórico é tenebroso o que está acontecendo no país e no mundo. Tão logo a situação tornar-se-á insustentável restando apenas a violência como via para a resolução dos problemas.
O que os comunistas devem fazer a partir de agora é construir unidade forte o suficiente para enfrentar as adversidades que estão colocadas. A posse de Bolsonaro e de tudo que o cerca é simplesmente impensável de se admitir. Não são comunistas os social democratas, reformistas/progressistas e nacionalistas. Estes também são uma ameaça a liberdade. Os partidos ajudam a girar a engrenagem da máquina capitalista. Os comunistas são revolucionários. Lutam pela emancipação coletiva e pela destruição do estado de coisas e sua consequente superação. O reformismo senil nunca na história da luta de classes foi capaz de confrontar frontalmente as contradições do capitalismo. Basta assistir o filme sobre a vida de Rosa Luxemburgo dirigido por Margarethe von Trotta e perceber o desenvolvimento e interesses concretos da social democracia alemã. Estamos passando por um momento decisivo na história mundial. Como lutar contra a barbárie? A revolução é uma questão de vida ou morte porque nos coloca absolutamente contra as formas de poder legitimadas pelo Estado e pela classe dominante. A economia e a política são pontos-chave para se lograr êxito juntamente com a educação. É preciso novamente ativar a máquina da propaganda comunista a tal ponto de não deixar mais brechas ao conservadorismo e também ao fascismo. Tão logo o governo Bolsonaro cairá desalentando as forças revolucionárias de sua função. O governo cairá cedo ou tarde, pois aproveita-se da ingenuidade das massas abrindo todos os campos para o oportunismo da burguesia.
São momentos de crise estrutural do capital que as condições objetivas para uma revolução surgem requerendo formas antagônicas de poder. A educação está sendo instrumentalizada pelo fascismo. A política consolidou-se como política do medo e a história e seus conceitos foram completamente invertidos favorecendo os donos do poder. Organizações menores, clandestinas, claro, há de surgir primeiro como forma de obter e organizar informações para futura eliminação dos inimigos de classe. Há de se pensar formas de desestabilizar a república burguesa quebrando seus alicerces. A luta por dentro do Estado tornar-se-á insustentável a tal ponto de sobrar apenas os velhos reformistas e oportunistas de sempre que também devem ser neutralizados. As organizações políticas deverão ser, portanto, como centros da inteligência revolucionária, mas que não decidirá o futuro das lutas sozinhos. Agora, neste exato momento, há de se produzir respostas e análises concretas sobre o fascismo brasileiro. A violência deve ser usada aliada à inteligência na cobrança de figuras centrais do Estado burguês. A neutralização dos inimigos de classe é necessária para demonstrar a toda população que ninguém está imune, nem os homens de armas, nem os chefes de Estado, nem o mais simples entusiasta direitista. A forma de se enfrentar o poder do capital hoje não é a mesma de períodos revolucionários anteriores como a passagem do século XIX para o XX. As organizações políticas na medida em que se distanciam do comunismo inviabilizam por completo a tomada do poder e sucumbirão como escravos. Não há piedade para o poder. O poder é força determinante. Ao mesmo tempo que assombra, liberta. Ao mesmo tempo em que ceifa vidas, promove a mais completa insubmissão aos que desejam nos fazer curvar. Não há mais tempo para romantismo. São muito poucos os que querem realmente lutar. A revolta ativa um movimento em cadeia e o seu combustível é a consciência de classe. Na medida em que não há organizações capazes de seguir à risca o movimento revolucionário, posterga-se eternamente a materialização do poder popular, o único capaz de dar luz ao comunismo. A revolução é agora.
Uma mensagem como essa está hoje neste exato momento mais para o campo da ficção ou da realidade de fato? Digamos que de certa forma os dois. A história, no entanto, nada tem de ficcional. Ela é o movimento concreto dos processos sociais que resultam em modificações nas mais variadas dimensões, tanto do ponto de vista estrutural ou não. Não basta somente um exercício de imaginação para se pensar o processo revolucionário. Para que aconteça uma revolução é precisamente necessário uma crise de tal proporção do capitalismo que de alguma forma comprometa sua hegemonia evidenciando contradições intra-burguesa. As crises do capitalismo acirram as tensões provocando levantes espontâneos das massas populares, desde saques a justiçamentos. No entanto, essas forças por agir meramente por um impulso legítimo contra o cenário de austeridade de forma desorganizada não consegue dar cabo do seu principal objetivo: a revolução social. Enfrentar um longo processo revolucionário é algo que está para além da nossa imaginação. A maioria de nós nunca presenciou ou participou de um processo revolucionário. É preciso pensar primeiramente como se deu os processos revolucionários anteriores. A história, portanto, é o nosso ponto de partida.
Uma revolução só é possível quando um grupo organizado de pessoas comungam interesses se não os mesmos muito próximos a ponto de pegar em armas contra o inimigo. Numa sociedade cindida entre classes que se antagonizam nas relações de trabalho a revolução é o caminho que se faz até a extinção das classes sociais numa mudança estrutural com relação ao trabalho. A revolução é um processo de inversão das relações de poder. Obviamente que não dormimos e acordamos num lindo dia onde tudo mudou. Sabemos que a mudança a nível do poder requer a tomada desse poder por meios violentos. A despolitização das massas de trabalhadores os colocam na maioria das vezes na defesa dos mesmos interesses da classe dominante num delírio de que um dia poderá ser também bem sucedido no capitalismo. O trabalhador é adestrado a crer na meritocracia como uma espécie de recompensa pelos bons serviços prestados. A consciência difusa e confusa do trabalhador torna-se ainda mais inofensiva na medida em que adere aos valores da teologia da prosperidade de igrejas evangélicas. Por isso, o primeiro passo para a revolução não é necessariamente pegar em armas. O primeiro passo para a revolução é a conscientização. Esse processo é voltado para o proletariado, mas isso não quer dizer que sujeitos oriundos de outra classe social não possa reivindicar-se comunista.
Existe um pensamento que diz que se um determinado sujeito faz parte de uma classe social, seja ela qual for, ele não pode pensar nem agir fora dos limites de sua classe de origem. Em primeiro lugar, as classes sociais existem, mas se modificam de acordo com o tempo justamente pelas diversas movimentações que atravessam essas relações. Luckács e Engels, por exemplo, eram oriundos de uma classe social dominante, mas utilizaram todos os seus recursos, físico, financeiro e intelectual, para a inversão das relações de poder no campo social na defesa da revolução proletária. Engels era filho de um grande industrial. Podemos perceber no filme de Raoul Peck todas as consequências das suas escolhas políticas. Numa das cenas do filme O Jovem Marx mostra Engels dialogando com trabalhadores irlandeses quando estes simplesmente rejeitam a presença do burguês no mesmo ambiente que os demais. Mas foi Engels que escreveu uma das maiores referências sobre a condição da classe operária na Inglaterra, muitíssimo elogiado por Marx. Tanto um burguês pode voltar-se contra as estruturas em que está inserido como um trabalhador pode defender fielmente os valores da burguesia. Neste caso, a ação permanente e sistemática da produção de valores capitalistas trabalham neste contínuo convencimento das classes populares na defesa intransigente do capital. Em segundo lugar, esse pensamento estanque das relações sociais trabalha com a ideia de irreversibilidade da relação entre capital e trabalho naturalizando as relações de poder tal como aí está configurada. No caso de um determinado sujeito de uma classe social mais abastada que aos poucos adquire consciência de classe (através da luta política orientada para a resolução das contradições entre capital e trabalho e do desenvolvimento e leitura da teoria revolucionária), isso soa como uma espécie de hipocrisia aos olhos principalmente daqueles que ainda insistem em defender como prioridade os interesses da classe dominante.
Daqui para frente é preciso discutir o fascismo ininterruptamente de forma ampla e pública. É preciso encorajar as pessoas ao enfrentamento e a reflexão crítica. Outra saída não há. Mas só se enfrenta uma situação a partir da compreensão do contexto histórico e da conjuntura atual. Ou seja, o enfrentamento depende de um processo de conscientização. A vantagem da comunicação em nosso tempo, ainda que paradoxal, não pode resumir-se ao espetáculo. Tal parafernália mostra-se como elemento sem o qual a unidade estará longe de concretizar-se. O fascismo hodierno guarda semelhanças com o fascismo do entre guerras, mas adaptou-se, nem por isso camuflando-se (sim, ele continua explícito e orgulhoso), voltando como solução salvacionista para um velho problema: a crise estrutural do capital. A novidade não é tão nova assim; tem nova roupagem, mas age tal qual no passado, de forma absoluta e implacável. Seu principal inimigo continua sendo a classe trabalhadora organizada e o pensamento revolucionário. Portanto, a forma de combater esta força continua sendo por meio de força material capaz de simplesmente eliminar numa guerra de classes seus inimigos, aliado a um processo social incapaz de associar-se ao fascismo na superação do capitalismo. Este é o último estágio da luta, mas até lá há um meio caminho a percorrer. A insurreição violenta contra o fascismo ocorrerá, cedo ou tarde.
Como podemos identificar o fascismo hoje? É cada vez mais difícil responder a esta pergunta. O alto grau de desqualificação do debate promovido de forma maciça pelo empresariado foi o muro construído contendo as reações legítimas contra toda opressão gerada pelo capitalismo. A burguesia entra nesse jogo para embaralhar as peças gerando uma completa confusão entre os interlocutores que se vêem bombardeados de informações discordantes, mas nem por isso esclarecedoras principalmente por acompanhar estes debates em redes sociais onde cabe a direita fundamentalmente desqualificar os argumentos de forma jocosa numa tentativa eficaz de anular o pensamento diferente do seu disparando no outro a sua própria miséria em níveis nunca visto antes. O que está acontecendo agora é simplesmente incrível, surreal. Foi tão forte o investimento em propaganda, quadros e teóricos, políticos profissionais, empresas de comunicação, etc., que o significado da própria existência humana foi transformada num apêndice do capitalismo e das relações de mercado regido por uma lógica burocrática altamente opressora. Boa parte da população está convencida de que o capitalismo é a última forma de sociabilidade humana e que qualquer alternativa a este modelo é motivo de escárnio e descrédito. A ignorância bebe da sua própria loucura.
Revelar o fascismo é ainda mais confuso quando parte da classe trabalhadora se convence, a partir de um processo de desilusão política, de que é preciso diferenciar o regime, ainda que seja autoritário, elegendo bestas-feras como Bolsonaro. A comunicação hegemônica é a porta-voz do fascismo, portanto, não seria ela o melhor referencial para se compreender este fenômeno. Na internet, a quantidade de visualizações inegavelmente é de canais de extrema-direita que disputam o termo fascismo desassociando-o ao capitalismo, sua gênese. Publiquei um texto recentemente especificamente sobre o espetáculo midiático entre esquerda e direita no youtube. O combate ao fascismo começa por identifica-lo e compreender essa manifestação de forma a relacionar o seu principal interesse que é a manutenção desesperada do capitalismo e da forma-mercado na defesa inquestionável da propriedade privada dos meios de produção. Se fosse um jogo de ligar, daqueles que fazíamos quando éramos criança, ainda que com linhas embaraçadas quase todos os pontos de lá do passado poderiam ser ligados com o fascismo de hoje fechando os pontos.
A direita manobrou a tal ponto de associar o fascismo a esquerda, ratificando a necessidade da sua eliminação. Não a toa o comunismo continua causando grande temor entre as elites. É claro que esse comunismo que a extrema-direita de uma forma geral afirma com todas as letras existir é outro absurdo que precisa ser desfeito com muito cuidado, pois são muitos nós. O debate histórico é fundamental neste caso, não a toa são os professores principais alvos do fascismo contemporâneo. E o fascismo não brinca em serviço. Tudo o que Bolsonaro afirmou irá se cumprir de forma determinante, inclusive a eliminação de opositores políticos. Essa reorganização do campo social é um eufemismo para criminalização, prisões e torturas. Agora, enfim, a tortura está mais do que institucionalizada. Se o cidadão de bem está a vontade para gravar vídeos dizendo que vai fazer e acontecer, imagina para a polícia que já faz isso diariamente. As forças de repressão estão livres para matar. O fascismo é o poder sobre a vida. É como se os abutres fizessem a festa.
A ameaça é real e a cada passo do novo governo o relógio gira contra os trabalhadores. A social democracia, ou simplesmente a esquerda institucional, continuará no seu jogo formal, abrandando as coisas de forma quanto mais cínica possível. É simplesmente inefável a congratulação de Haddad a Bolsonaro, o que prova a completa incapacidade dos setores burocráticos de contribuir decisivamente para esta luta. O fascismo institucionalizado é ainda mais eficaz e tão logo defenestrará as forças de esquerda da vida política forçando todo o conjunto da esquerda a pensar de forma organizada o enfrentamento contra as forças fascistas.
A cultura é importante front de batalha; ela não deve ceder ao pensamento medíocre da direita sob o risco do seu completo desaparecimento ou esvaziamento social. O cinema, a música, o teatro, a literatura e todos os demais campos da criação humana devem servir para a emancipação dos homens cultivando o pensamento revolucionário, intransigente às demandas do capital. O primeiro passo emancipador, segundo Anselmo Lorenzo, consiste na emancipação da ignorância. A comunicação também tem papel central na conscientização dos trabalhadores, estudantes, jovens, adultos, homens e mulheres. São por meio desses dutos que freamos o avanço do fascismo. Mas essa militância crítica por meio da cultura já mostra seus limites no enfrentamento contra forças reacionárias. Como combater o fascismo então? Com o uso da violência revolucionária. É preciso construir novamente os movimentos de massa onde essa força seja direcionada contra o inimigo de classe. O único caminho é o enfrentamento direto por meio da força aliado à inteligência revolucionária. Se não assumirmos uma posição na guerra, seremos simplesmente trucidados. Devemos preparar os trabalhadores para conflitos cada vez mais intensos. Bolsonaro se elegeu, portanto, dentro de todo esse caldo de conspirações, mas de um projeto político sólido encampado pela classe dominante em visível crise estrutural em sua forma societária burguesa. É urgente pensar a superação desse cenário nefasto.
           

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