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Youtube como arena política e o espetáculo político virtual


O youtube sem dúvida se tornou uma das principais plataformas de acesso a informação e de novas formas de se produzir e veicular essa informação na internet. Isso tudo ganhou mais sentido para os produtores com a possibilidade de influenciar decisivamente nos principais momentos políticos do país sustentando ou forçando a derrubada de governos e mobilizações na sociedade, gerando receita com o envolvimento do público e quantidade de visualizações que passa a financiar os canais podendo com isso gerar cada vez mais conteúdos ganhando mais expressividade e poder. O MBL sem dúvida é o maior exemplo de como a direita se organizou desde as Jornadas de Junho de 2013 no sentido de tomar a dianteira na produção contínua de informações sobre os fatos políticos transformando-se numa verdadeira máquina de guerra comunicacional convencendo principalmente um público desgostoso com a política prometendo renovações a partir de seus próprios quadros, que obedece ao velho programa neoliberal dando nova cara ao desgastado capitalismo buscando driblar as contradições inerentes ao sistema.
A defesa intransigente do capital continua sendo a condição sem a qual a direita perde todo o sentido de existência. A partir daí a direita não perdeu tempo. Atacou no cinema com a empresa Brasil Paralelo e cineastas como Josias Teófilo que produziu o filme sobre Olavo de Carvalho, jornalismo com figuras como Joice Hasselman, Terça Livre, etc, que têm a esquerda como principal alvo camuflando com isso as contradições da sociedade capitalista. A estratégia de atacar a esquerda utilizando valores morais como forma de promover o pensamento reacionário não é novo na história, mas em tempos de espetáculo virtual é vendido com nova roupagem provando a incapacidade deste setor em promover alternativas de mudanças estruturais.
O governo ultra-direitista de Bolsonaro alinhado com a nova realidade da comunicação divulgou uma lista de canais recomendados que, segundo seu critério, são fontes seguras de informação. São canais como Nando Moura, Diego Rox, Bernardo Kuster, youtubers influenciadores defensores do capitalismo absolutamente eficazes na proliferação de valores fascistas, que disputam diariamente os olhares ganhando cada vez mais expressividade principalmente entre jovens. Para um público que se julga mais esclarecido há canais como de Luis Felipe Pondé e Olavo de Carvalho ambos no campo da filosofia, que veem na defesa da livre competição do mercado a razão de ser das pessoas. Estes canais funcionam como máquinas que buscam no revisionismo histórico o alicerce de seus posicionamentos que, por uma degenerescência moral, deixou de fazer parte dos costumes abrindo campo para o ódio de classe proliferado em argumentos sempre amparados no descrédito total e absoluto dos opositores políticos em tons sarcásticos o que permite evitar aprofundamentos teóricos tornando a comunicação aparentemente incisiva não passível de refutação criando a impressão impactante de argumentos sólidos. Assim, figuras como Olavo de Carvalho reproduzem um sem número de outros novos influenciadores capazes de repetir até os trejeitos da matriz como a virulência dos gestos e palavras sempre em tom debochado demonstrando superioridade intelectual.
Independente do espectro político os canais dependem de um investimento material em proporções adversas. Tanto o Causa Operária TV como o canal da Jovem Pan necessitam de recursos para manter suas produções, o que envolve pessoal, maquinaria, sedes, e outros custos. No caso da direita sabemos que o dinheiro advém do empresariado que são os principais interessados na disseminação de valores liberais e neofascistas principalmente quando o assunto é convencer os trabalhadores de aceitarem os planos da economia neoliberal que ceifa vidas e direitos restando apenas a exploração como forma de garantir a lucratividade do patronato. Sem esse investimento, importantes canais de direita não teriam o papel que têm hoje. A questão do financiamento é de extrema importância para a comunicação e influenciadores digitais. A esquerda geralmente busca estratégias outras, como financiamento colaborativo, campanhas, doações, certos editais, sindicatos, partidos, militantes em geral ou organizações, enfim, muitas formas. A estratégia e conteúdos produzidos aliados ao acesso aos meios materiais e determinado acesso ao capital viabiliza ou não o alcance do amplo público o que já é possível somente no youtube. Para ambos espectros políticos, produzir conteúdos sem estratégia é dar tiros no escuro sem qualquer garantia de resultado concreto.
O alcance da comunicação na plataforma aumenta de acordo com o engajamento e associação/agenciamento entre os próprios canais que de acordo com os interesses momentâneos, mas também a médio prazo, se alinham na busca por determinado objetivo político. Assim que concretizam o objetivo eles podem romper e criar novos blocos ou clãs virtuais. Esses canais se associam tanto na construção de novos canais ampliando o público daquele que tem menos expressividade como também na destruição de outros canais que de certa forma representa uma ameaça. Mas essa ameaça pode também ser forjada e alimentada dentro de uma relação de interesses particulares o que acaba privilegiando o espetáculo em detrimento da comunicação crítica. É o que vem acontecendo, por exemplo, com a fixação de canais progressistas em criticar canais ultra-reacionários como os mencionados pelo governo Bolsonaro. Assim, canais progressistas crescem literalmente na rebarba dos canais direitistas deixando pautas da esquerda de lado na busca incessante por crescimento e views.
As novas gerações e, sobretudo, a nossa já se informa quase completamente utilizando a internet como ferramenta principal de acesso a informações e interpretações dos fatos a partir de múltiplos vieses políticos. Genericamente aqui vou separar estes canais entre dois grandes blocos: esquerda e direita. Fiz um rápido levantamento de alguns canais e até o final de janeiro de 2019 os números são da seguinte ordem:



Canais de direita – Youtube (inscritos)



Nando Moura – 3.076.240
Mamaefalei – 2.447.890
Jair Bolsonaro – 2.367.659
MBL – 1.425.302
Joice Hasselmann – 1.149.077
Jovem Pan – 1.374.314
Diego Rox – 1.055.070
Canal do Moscoso – 981.200
Folha do Brasil – 784.913
Brasil Paralelo – 757.342
Olavo de Carvalho – 610.910
Terça Livre – 580.586
O Jacaré de Tanga – 544.137
Luis Felipe Pondé – 532.540
Ideias Radicais – 536.530
Bernardo Kuster – 587.983
Padre Paulo Ricardo – 521.935
Marcelo Brigadeiro – 282.057
Maro Schweder – 210.396
Paula Marisa – 195.864
Fernando Holliday – 93.146
Leandro Ruschel – 73.978
Paulo Kogos – 68.477
Rodrigo Constantino – 55.066
Instituto Borborema – 16.593


 Canais de esquerda – Youtube (inscritos)




Caue Moura – 5.174.745
PC Siqueira – 2.444.299
Conversa Afiada – 715.132
TV 247 – 291.270
Henry Bugalho – 182.303
Midia Ninja – 172.821
Filósofo Paulo Ghiraldelli – 163.28
Leonardo Stoppa – 150.576
Tese Onze – 122.800
Christian Dunker – 117.088
TV Boitempo – 106.560
Clayson – 88.424
Carta Capital – 88.319
Nocaute – 70.000
Justificando – 69.749
Causa Operaria TV – 60.000
Saia da Matrix – 51.175
Maestro Bogs – 43.637
Jornal a Nova Democracia – 42.725
Opera Mundi – 34.283
Tatto no Toco – 28.729
The Intercept Brasil – 25.795
DCM TV – 20.839
Canal Púrpura – 20.400
IELA UFSC – 13.913
Agência Pública – 11.565
Ferréz – 10.411
Outras Palavras – 7.500
Filosofia Vermelha – 3.157
Gláucio Gonzales – 2.835
Ideias de Esquerda – 2.814
Gazeta Revolucionária – 892
Estratégia e Análise – 306



O que mais vem se destacando desde as Jornadas de Junho certamente são os youtubers principalmente os de direita. O que mais se deseja no youtube? São as visualizações. Este é o termômetro do impacto produzido por determinado canal ou conteúdo o que gera bons rendimentos com anúncios, tempo de visualização, comentários, likes, inscritos, propaganda, etc. O quanto o canal ganha é uma relação de tudo isso. Há um debate sobre a veracidade dos milhões de visualizações produzidos em determinados canais e vídeos, o que também devemos considerar para compreender o funcionamento dessa ferramenta, já que existem formas de produzir views artificialmente. Dentro disso tudo existe uma verdadeira batalha, um ringue de vale-tudo principalmente quando se trata de canais de direita.
Guy Debord certamente rejeitaria a maioria dos conteúdos produzidos até mesmo os que se afirmam com teor crítico. A internet fez emergir nova fase do espetáculo (ainda que tenha preservado sua função primordial, qual seja, a reprodução de valores capitalistas em suas narrativas, representações e performances) a enésima potência de tempos em que a comunicação se limitava ao cinema, televisão e rádio. O espetáculo produz uma realidade confusa, desconexa, sem alternativas concretas numa relação de consumo com aquilo que é produzido em prol da manutenção do estado de coisas limitando-se a pequenas resistências sem a possibilidade de uma unidade ampla dos trabalhadores, justamente pela falta de organização e ausência de um programa revolucionário capaz de gerar e garantir essa unidade. O espetáculo produz simulacros de tal forma a parecer insuperável as relações de dominação pelo desconhecimento da natureza das contradições sociais.
A comunicação produzida pela esquerda deve servir e focar nas necessidades materiais assim como na formação intelectual servindo também a esclarecer fatos corriqueiros da luta dos trabalhadores principalmente no que diz respeito a organização da classe. É claro que não basta somente assistir a vídeos no youtube para compreender de forma ampla os fenômenos sociais, ainda que existam bons analistas políticos em canais como a Boitempo que produz vídeos com uma série de pesquisadores de grande relevância no Brasil e no mundo como José Paulo Netto, Michel Lowy, Perry Anderson, Silvio Almeida, etc., IELA da Universidade Federal de Santa Catarina que tem a frente o professor Nildo Ouriques, Gazeta Revolucionária, Rui Costa Pimenta ou Gláucio Gonzales que produzem importantes análises políticas. De qualquer forma, há que se conciliar com outras fontes como livros, revistas, blogs, sites, rádios, televisão, etc.
A luta contra o capitalismo continua tendo como prioridade a organização dos trabalhadores em escala mundial. Uma sociedade autogestionada somente é possível a partir de um projeto de sociedade que confronte sem pestanejar todo o conjunto sociometabólico do capital. No entanto, num determinado estágio das lutas o confronto será real, poder e contra-poder. Ou seja, Estado e suas forças repressivas e milícias privadas contra trabalhador organizado, como sempre foi historicamente. Por isso, a organização dos trabalhadores é condição para a sua própria existência e para que se realize como classe para si. A comunicação entra aí como ferramenta revolucionária, que impulsionará as deliberações da classe trabalhadora contra seu inimigo de classe. A comunicação tem papel também na própria organização da classe, se colocando como elemento fundamental de debates no campo das ideias e claro, na denúncia contra os aparatos de poder da burguesia.

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