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Três pontos sobre o fascismo





Pensemos três pontos sobre o fascismo fundamentais sem os quais não lograremos qualquer êxito em seu combate. 
·         Qual é o caráter do fascismo hoje?
·         Qual dimensão e ameaça real representa?
·         Qual a forma mais eficaz de eliminá-lo?

Pensar qualquer tipo de movimentação requer analisar as condições reais para isso. O surgimento do fascismo e cada ressurgimento nos coloca em alerta, pois sua simples presença anuncia uma modificação real da condição econômica capitalista. O fascismo é reflexo das más condições estruturais da economia capitalista que precisa de força para reestruturar sua dinâmica a ponto de poder sustentar-se em regime democrático parlamentar burguês. O próprio caráter do parlamento no entanto nos deixa dúvidas. Sua estrutura, mais que qualquer outra, comporta o fascismo de forma organizada para fins específicos legitimados pela democracia burguesa que ao manter-se como tal torna o fascismo força necessária afirmando sua necessidade democraticamente.
O caráter do fascismo hoje é por isso mais complexo. O fascismo se expressa com clareza nas eleições tornando essa força reacionária desejável e cada vez mais violenta. Há um sem número de países com expressiva votação favorável a partidos neo-fascistas. O seu caráter violento nesse sentido não se modificou. Um fenômeno como o fascismo não precisa se autodeclarar como tal, pois isso seria demasiado obscuro num tempo de liberdades democráticas por mais que presenciemos cada vez mais manifestações desse cunho que vem diretamente do Estado, mas sobretudo da burguesia que não hesita em declarar seu ódio de classe. Sabemos que o fascismo não foi eliminado. Ele foi apenas controlado e incorporado novamente à vida liberal sabendo do seu lugar específico na luta de classes. As economias liberais nunca deixaram de usar diversos métodos totalitários para impor suas vontades e no entanto aí está completamente viva. O que está em jogo não é a democracia, mas a sobrevivência das economias de mercado.
Todo o corpo do governo Bolsonaro deveria neste momento automaticamente funcionar como um grande chamado a todo o conjunto das esquerdas que ainda visam o ideal revolucionário. É como se a artilharia estivesse sendo montada para em seguida ser apontada aos trabalhadores que vão cada vez mais se precarizar sofrendo as consequências de um completo abandono social. O fascismo hoje está legalmente instalado no poder executivo, mas não só. Está no legislativo, nas polícias e demais corporações. Está nos partidos ultra-conservadores e tão-logo estarão onde hoje está um seleto grupo de progressistas como as universidades. O fascismo está nas escolas e na cultura. Na televisão e nas práticas cotidianas. O próximo movimento é organizar uma parte significativa ainda não incorporada às manifestações verde amarelo, mas que pode capitalizar boa parte das insatisfações sociais gerando adesão por parte dos pauperizados. O fascismo hoje é difuso, mas aos poucos ganha adesão reflexo da propaganda que a todo momento faz sobre si próprio. A prática fascista do denuncismo e criminalização por professar perspectiva crítica (veja que não estamos falando necessariamente de esquerda), está contaminando a sociedade que aprova tais atos de forma absolutamente acrítica crendo que a salvação depende cada vez mais do controle e expurgo daquilo que consideram o mal: o comunismo.
O fascínio de tal força afetou até mesmo a própria esquerda, que há muito sofre desse mal. Esse movimento gera simplesmente a autodestruição da sociedade que já começa a dar sinais reais do seu processo. Ao passo que se não vier da esquerda uma resposta a este problema real caberá ao próprio capitalismo dar o fim que lhe couber à sociedade. Os setores dispostos a luta ainda não se mostram capazes de enfrentar este problema real por não dispor de organização suficiente para isso. A simples ocupação ou manifestação não tem efeito para além do momentâneo sem que haja continuidade até que se tenha êxito na defesa dos seus interesses.
O caráter do fascismo hoje é cada vez mais presente nas suas várias manifestações, mas sobretudo no Estado que ao militarizar-se e permitir o poder irrestrito das forças armadas instaura um verdadeiro campo de terror e medo não permitindo a divergência e a organização. A desinformação em massa é o combustível necessário para alimentar o ódio necessário ao fascismo. Seu caráter é explícito sem se autodeclarar o que faz ao mesmo tempo em que ataca um inimigo imaginário corporificando-o inteiramente nos trabalhadores e organizações que defendem os seus interesses. O fascismo gerará cada vez mais adeptos completando a limpeza social que já vêm hostilmente promovendo. A polícia estará cada vez mais equipada e livre para reprimir manifestações e organizações, ocupações, escolas e universidades, sedes de partidos e até mesmo a casa de militantes. A própria sociedade, contaminada pelos valores fascistas, inspecionará a vida alheia a ponto de promover denúncia contra o que consideram crime. A legalidade em si, na prática, quase não existe para além de determinadas instituições burocráticas. No campo social mais amplo ela é mera representação distante de uma aplicabilidade coerente sobre aquilo que professa em leis e valores ou na constituição burguesa.
A democracia burguesa dá plenos sinais de sua falência por não conseguir sustentar para além de algumas representações políticas e alguns beneficiados a lógica que professa da integridade e compromisso do Estado e suas instituições para com a sociedade que na prática é determinante em defender interesses específicos. A pátria na verdade é o exército que aplica as necessidades do capital vendendo-se por completo aos interesses da burguesia internacional comprometendo até mesmo parte do seu território. O caráter do fascismo hoje é, por si só, portanto, ameaçador.
Sua dimensão, no entanto, ainda permite algum tipo de movimento, mas que depende de uma prática disciplinada como forma de gerar cada vez mais adesão por parte da sociedade que sofre de alguma forma com o avanço do fascismo. Isso aproximará muitas tendências políticas, o que pode levar tais reuniões a um total fracasso pelas próprias divergências internas. Por isso, a criação desses espaços requer o debate entre as forças ao passo que é preciso o rechaço completo pela organização burocrática partidária, pois ela anularia a possibilidade de superação do quadro. O primeiro ponto é reconhecer a necessidade de combater um inimigo maior que ameaça a todos. Sem essa força maior é impossível o enfrentamento de um fenômeno como o fascismo. Apenas rechaçar tendências burocráticas não trará concretude na organização ou nos movimentos devendo os próprios trabalhadores organizar-se em seus locais de trabalho impedindo o funcionamento normal das atividades reorganizando a produção a partir de uma perspectiva que contemple e funcione a partir das necessidades reais dos trabalhadores.
O fascismo hoje continua sendo uma doutrina acerca da disciplina arraigada a valores morais religiosos quase sempre católico que alimenta a profecia de líderes salvacionistas que sintetizam todo um aspecto de pureza moral, bravura contra o mal e a degeneração. É evidentemente militarista crendo na incorruptibilidade do exército e das forças armadas, portanto, gera uma cegueira aos interesses de classe servindo isso como simulacro perfeito às ações das forças armadas. A melhor forma ou a forma mais eficaz de combater o fascismo continua sendo através da força material das armas. Em última instância esse enfrentamento resultará em ações bélicas. Até lá há um caminho efetivo a percorrer. O fascismo é força perene, absolutamente necessária ao capitalismo e às relações de poder estatal. Não há como prever tão precisamente a que velocidade caminhará, mas o destino sabemos todos é o mesmo: eliminar toda forma de pensamento crítico, progressista e revolucionário.
No estado atual de coisas, onde os partidos políticos camuflam toda a complexidade da luta de classes na atualidade dirigindo-se à sociedade numa clara relação utilitária com a política e da decadência profunda dos sindicatos, sem contar com a quase completa inércia das universidades, cabe a um espectro muito maior da sociedade erguer barreiras contra o fascismo. O combate contra o fascismo não virá efetivamente do setor progressista, que inutilmente continua crendo numa conciliação possível. A politização dos espaços públicos e privados é um ponto fundamental para evidenciar todo um conjunto de contradições fazendo aflorar tais contradições para uma resolução efetiva de tais fatos. Isso faz com que as pessoas confrontem seus próprios ideais e valores publicamente tirando-os do espetáculo midiático e da internet. As divergências são reais, elas fazem parte da vida cotidiana e, portanto, devem ser colocadas. A conscientização condiciona as manifestações e organizações a um outro patamar criando mais condições para o enfrentamento que acirrará em conflitos de todas as ordens. Sabemos, por exemplo, que qualquer manifestação de grande magnitude de caráter antifascista terá a resposta por parte da ultra-direita, que alimentará o ressentimento como força motriz contra a contestação.
A luta contra o fascismo é consciente na direção do acirramento da luta de classes direcionado a negação do capitalismo como sistema hegemônico de poder, portanto contra a propriedade privada dos meios de produção favorável a autonomia operária. O antifascismo como elemento para reanimar a democracia burguesa é um engodo que gera a instrumentalização da luta mantendo a sobrevivência daquilo que deve ser superado para uma melhor distribuição das riquezas gerando uma nova relação com o trabalho e a produção.


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