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Comentários sobre o livro Suicídio Revolucionário



Há uma indagação permanente sobre os processos de luta das organizações de esquerda principalmente a partir dos anos 60 que nos remete a pensar, entre outras coisas, sobre o fracasso ou possíveis vitórias das organizações mesmo diante de todas as adversidades. Este trabalho de pensar o conjunto de elementos que visa avaliar tais questões perpassa tanto as ações práticas dos partidos, organizações e ações guerrilheiras como também refletir sobre as orientações teóricas de cada setor, assim como pensar a conjuntura do momento.Claudinei Cássio de Rezende, autor de Suicídio Revolucionário trabalha com a hipótese de que a ameaça real ao Estado foi dissolvida junto com os movimentos populares de base já no início dos anos 60 com a desmantelação do PCB que resultou numa constelação de organizações. Para Claudinei a luta armada “agiu como forma de resistência democrática” e não simplesmente como um primeiro passo à revolução socialista. Diz o autor que a influencia popular da resistência armada foi pequena “em especial porque a esquerda pegou em armas tardia e desorganizadamente”. Mas a ação armada foi processo pelo qual foram praticamente forçados parte da esquerda.Esse processo, segundo Gorender, deu-se tardiamente concretizando-se somente em 1968, quatro anos após o golpe. E diz Gorender em Combate nas Trevas: “Em condições desfavoráveis, cada vez mais distanciada da classe operária, do campesinato e das camadas médias urbanas, a esquerda radical não podia deixar de adotar a concepção da violência incondicionada para justificar a luta armada imediata.” Apesar de toda dificuldade a intenção da esquerda armada era de fato a revolução. No entanto, para Claudinei essa concepção ainda era difusa primeiramente como já apontado por Gorender, pela distância com a base. Isso se deu obviamente por conta da eficácia da repressão em desmantelar as resistências e organizações de esquerda já que a ditadura civil-militar travou uma verdadeira batalha contra a esquerda. Em segundo lugar, houve, segundo Claudinei, um erro estratégico e teórico. É importante nesse sentido a seguinte passagem do capítulo 2:“Para Marighella, o aparecimento desse objetivo (e aqui ele se refere ao terrorismo revolucionário) levaria imediatamente as massas ao poder, num processo revolucionário, de tal sorte que o intento da luta armada propugnada pelo revolucionário baiano não era para que essa agisse como bastião da democracia, mas como movimento revolucionário. Todavia, não foram diretamente apresentados por Marighella quais seriam os processos de revolução e suas fases, tanto que estava em curso quanto as que viriam em seguida, para que então a esquerda pudesse empreender lucidamente uma revolução dupla: primeiro, que a colocasse contra a ordem política imediatamente estabelecida, ou seja, a ditadura; e segundo, que almejasse a ultrapassagem de todo o metabolismo social vigente. Em detrimento disso, o que foi apresentado era a afirmação, que não se efetivou, de que a guerrilha levaria a ditadura a um cerco intransponível”.            E continua Claudinei mais adiante:“Dado esse contexto geral, como fica a ALN no tocante à revolução brasileira? Situa-se na idéia de revolução antifeudal, embora em seus jornais e em suas teses de divulgação seus integrantes jamais tenham logrado estabelecer um debate mais profundo sobre a estratégia revolucionária.”É preciso perceber aqui que Claudinei não faz uma crítica rasteira contra as organizações de esquerda, mas ao passo que aponta os méritos também evidencia as suas fragilidades para concretizar seus projetos. Isso o coloca a afirmar que a tragédia da esquerda estava posta desde sua gênese. Um ponto importante sobre isso:“Este é o caráter particular da luta armada no Brasil: uma parcela fundamental da esquerda incorre no imbróglio do etapismo e do foquismo ora recorrendo à revolução cubana, ora recorrendo ao maoísmo, mas sem nunca romper de fato com o etapismo.”A conclusão é que Marighella não rompeu de fato com a tradição que a esquerda vinha seguindo, pois seu rompimento, segundo Claudinei, “foi puramente formal e de ordem tática, mantendo intocada a estratégia.” É importante observar também que a construção teórica de Marighella se deu ao longo do processo histórico. A concepção de uma possível aliança com a burguesia nacional foi uma vez afirmada e logo em seguida em 1968 com o agravamento do contexto político e da evidente demonstração de interesses fora rejeitada pelo próprio Marighella com o advento do Ato Institucional n5. A idéia de uma frente única, portanto, cai por terra. Três pontos foram decisivos para Marighella para o seu rompimento com a política institucional:·         “A reação pacífica ao golpe por parte do PCB
·         A chamada retirada estratégica do PCB
·         E a montagem do comitê anti-Marighella por Luis Carlos Prestes”
Por isso, diz Claudinei mais adiante: “Se, inicialmente, para Marighella, era apenas uma forma de luta complementar, a luta armada passa a ser a única forma possível de resistência contra a ditadura militar.” A gênese do fracasso inicialmente apontada por Claudinei é complexa e diz respeito entre os fatos já apontados anteriormente a uma subestimação da esquerda com relação à repressão e, como aponta Claudinei,“a uma total incapacidade de precisar a estratégia e os métodos da guerra revolucionária no Brasil. (...) O que causou um problema ainda maior na esquerda brasileira foi o fato de que o imbróglio não se referia somente à tática guerrilheira, mas à estratégia comunista, isto é, a como determinar a natureza da revolução brasileira.”É nesse contexto que o autor em seguida analisa o aniquilamento da Guerrilha do Araguaia que acontece num momento que a ditadura já havia desmantelado a esquerda brasileira apontando para o desastre futuro da guerrilha ao sul do Pará. Sobre isso afirma: “Essa guerrilha caminhou para um suicídio ainda mais provável que o da guerrilha urbana de fins dos anos 60, sobretudo por sua localização geográfica limitada e pela completa ausência do apoio de massas.”


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