Qual a importância da
comunicação num processo social antagônico ao capitalismo? É possível pensar e
efetivar uma integração da comunicação por hora existente (me refiro aqui a
comunicação de esquerda que se fragmenta aos montes)? Qual é o papel da
comunicação nos processos das lutas sociais? Sob quais aspectos gerais
políticos e estruturais se dá o processo de consolidação de uma unidade?
Pensemos
que a unidade faz parte de um longo processo que não está apartado da formação
contínua de uma comunicação verdadeiramente autônoma que expresse as
necessidades concretas do operariado e dos diversos setores precarizados,
enfim, daqueles que produzem riqueza. A unidade não se dá sem a luta contínua e
crítica no interior da própria esquerda. É mera ilusão crer numa integração
automática entre mídias e produtores que defendem projetos de sociedade
antagônicos. Isso nos coloca diante de um importante debate histórico e teórico
sobre os diversos caracteres da esquerda brasileira e daquilo que defendem. Se
estes setores historicamente divergem e se antagonizam nas lutas pela direção
do movimento operário, sindicatos e outras organizações, é natural que o
processo na comunicação não seja diferente.
Mesmo
que em alguns pontos essa comunicação dialogue e produza muitas vezes leituras
aproximadas sobre determinadas contradições, as estratégias e defesa de um
programa podem não só divergir, mas distanciar-se abissalmente. Todas as
questões colocadas com diversos pontos de interrogação acima dependem (para uma
leitura e ação propositiva correta) não só do enfrentamento contra o inimigo
comum, mas principalmente da auto-organização da classe trabalhadora em
estruturas montadas para manutenção de um poder amplo e popular distante dos
oligopólios e corporações que desestimulam as lutas criminalizando-as antes
mesmo que qualquer ação jurídica e policial.
A comunicação revolucionária nasce concomitante ao
processo revolucionário. Isso não quer dizer que antes disso não haja saída. A
comunicação integrada pré-revolucionária que surge antes da etapa decisiva da
luta entre trabalhadores e capitalistas, faz parte do ascenso das lutas sociais
que fomentará sobretudo a formação e organização dos trabalhadores. Por isso,
essa comunicação é imprescindível a todo o processo revolucionário evitando
deixar a organização se engessar nas estruturas patronais, sindicais e
partidárias. Os sindicatos são estruturas formais, mas que ainda assim guardam
algum tipo de disposição ou disputa no seu interior favorecendo sua mudança
radical de orientação, diferente dos partidos que desde sua gênese se comportam
como forças contrárias a emancipação da classe que afirma defender.
A construção de uma teoria revolucionária na comunicação
deve beber sem dúvida do marxismo como expressão da consciência do
proletariado. A comunicação espontânea (produzida de forma espontânea nos
processos das lutas sociais) não é capaz (ainda que impressione pela veracidade
daquilo que registra e reproduz) de fazer frente ao poderio dos grandes
monopólios e nem mesmo da comunicação virtual hoje hegemonizado por diversos
setores da direita.
Essa comunicação espontânea é facilmente apagada frente a
bomba informática reacionária que ultrapassa em produção expressiva aquilo que
se produz nos momentos de enfrentamento pelas mídias independentes de esquerda.
A velocidade da produção de informação de esquerda (de forma geral) torna-se
pouco estimulante a novas lutas por não estar integrada em redes sólidas
contrapostas frontalmente à comunicação reacionária e por não compor
organicamente as organizações que são filmadas geralmente em momentos de tensão
resumindo tudo a representações espetaculosas. Uma comunicação revolucionária é
aquela que constrói nos diversos momentos da luta uma leitura própria daqueles
que lutam e, portanto, enfrentam cotidianamente os desafios postos por uma
realidade extremamente contraditória. Essa comunicação não é intermediada, por
isso tem a vantagem ontológica do trabalho e da realidade de quem trabalha.
Surge
aí uma figura importante que é aquele que desenvolve e produz essa comunicação:
o operário da comunicação. Estes, ao passo que são poucos, devem estar
organizados como forma de produzir novos comunicadores e forjar uma estrutura
própria de poder que visa atacar e defender com eficácia e sagacidade. Isso faz
com que a comunicação apesar de estar atrelada ao mundo virtual não se prenda a
ele como condição básica de existência contrariando o caminho natural de toda
comunicação produzida hoje. Essa comunicação, como dito anteriormente, é
orgânica; ela é parte integrante dos movimentos e organizações sociais.
Quais são então as etapas para uma comunicação não só de
esquerda, mas revolucionária? Sabemos que as definições de esquerda e direita
são muitas vezes genéricas e confusas expressando muito mais uma cegueira
ideológica do que uma compreensão crítica. Principalmente os conservadores se
aproveitam deste fato para impregnar ainda mais uma leitura miserável sobre as
forças políticas dispostas em todo tecido social. Para os conservadores todo
partido de esquerda é comunista e inevitavelmente no fim das contas defendem
uma revolução comunista. A coisa está longe de se definir assim. No entanto,
essa visão tendenciosamente rasa, supérflua e mentirosa é a mais reproduzida
formando opiniões a exaustão que vão impulsionar governos de direita ou até
mesmo legitimar golpes de Estado.
A
mística reacionária produz uma leitura entre esquerda e direita como se
houvesse uma luta entre o bem e o mal, a moral e os degenerados, os de bem e os
bandidos e corruptos. Essa é a forma mais antiga de tentar ocultar a existência
da luta de classes com interesses inconciliáveis. Mas essa é apenas uma
tentativa inócua não fosse as forças repressivas. A leitura oportunista produzida
pela comunicação reacionária é garantida com truculência não importando quem
esteja do outro lado. Por isso, a comunicação revolucionária deve ir além da
representação espetaculosa das imagens. Estas devem conter todo o conteúdo que
expresse não só a imediaticidade das lutas como a afirmação contumaz da luta de
classes e de tudo que isso implica. Superar a rasa ideologia burguesa,
portanto, é uma das etapas para o avanço na produção de uma comunicação popular
e revolucionária. Mas dependendo dos interesses em jogo essa crítica pode
aparecer em discursos progressistas vistos pela grande parte da população como
setores de esquerda. Por isso, essa nomenclatura passa a servir para pouca
coisa ao endossar as políticas dos governos progressistas ou social democratas
ou simplesmente reformistas. É neste ponto que a comunicação pode simplesmente
arrefecer tomando rumos muito distantes daquilo que aparentemente afirmava
anteriormente, pois estes governos muitas vezes são populares e importantes
para o arrefecimento da luta de classes.
A comunicação crítica avança no sentido da autonomia
operária que se dá quando são estes que determinam o que e como é produzido e
para quais finalidades são a produção, diferente da típica relação entre
capital e trabalho. É neste ponto de necessário avanço das pautas e
reivindicações dos trabalhadores (que necessariamente vão extrapolar os limites
legais da sociedade burguesa), que fica explícito o caráter da comunicação
revolucionária e dos setores reformistas. Os governos jamais apoiarão saídas
radicalmente opostas às orientações do setor dirigente que por fim obedece ao
capital e à defesa das principais estruturas de poder estatal muitas vezes
reforçando-as. Por isso, na falta de uma sólida organização de base os caminhos
para a cooptação dos trabalhadores fica aberto.
Uma vez superada essa etapa (superação do pensamento
burguês), a comunicação revolucionária deve seguir absolutamente fiel ao
projeto autogestionário analisando criticamente a função do Estado, do capital
e da função do trabalho numa sociedade sem classes. Ou seja, a típica relação
entre esquerda e direita não é o suficiente para situar o operariado frente às
suas questões específicas. A compreensão do que vem as ser esquerda e direita
se resume a apoiar partidos políticos como PCB, PC do B, PT, PCO, PSOL, PSTU,
etc. É claro que estes partidos possuem diferenças, mas nenhum se distancia do
seu principal objetivo: vencer eleições encampando políticos em cargos na
burocracia estatal. Nenhum partido se propõe à insurreição objetiva contra as
estruturas do Estado, empresas e demais formas de poder do capital. Por isso, a
preocupação dos quadros e dirigentes é ganhar outros militantes para suas
frentes. As eleições, que segundo os burocratas tem importância central para os
trabalhadores, são processos que buscam obnubilar as tensões de classe. Não há
espaço para uma revolução proletária dentro desses limites. Para compreender
este assunto com mais profundidade recomendo a leitura do livro “O que são
partidos políticos” do professor Nildo Viana.
Depender da internet ou das emissoras de TV burguesas
para disseminar o ideal revolucionária é andar na contra-mão do projeto
autogestionário. As redes virtuais são espaços cifrados, profundamente
mercantilizados. Na ausência de uma rede de trabalhadores proletários que
sustente e dissemine com eficácia as produções e notícias deste setor, o que há
é apenas o dispêndio e, sem dúvida, a exposição gratuita aos setores da
repressão. Especificamente sobre este assunto, há um pequeno livro de Victor
Serge chamado “O que todo revolucionário deve saber sobre a repressão” que
analisa melhor esta questão no período da Revolução Russa.
Ora, se o projeto de sociedade defendido pela esquerda
burocrática partidária não interessa (e mais do que isso, inviabiliza) aos
trabalhadores (muito menos, claro, o projeto da direita), é neste enfrentamento
que se constrói a unidade programática da classe trabalhadora. Agora, basta
pensar onde a comunicação e a autogestão se encontram.
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