Pular para o conteúdo principal

Como fazer um filme?



O que é um filme? Um filme é uma estrutura narrativa composta por linguagens sonoras ou silêncios, texturas e estética visual e sonora. Por mais que o cinema tenha nascido sem som é impensável hoje produzir algo sem este necessário elemento. O filme pode ter uma determinada narrativa que para uns soa familiar enquanto outros podem achar absolutamente estranho e incômodo. A narrativa e o argumento compõem um filme. Há o elemento da montagem que organiza um determinado conjunto de informações visual e sonora o que torna cada filme algo singular. Um filme não é, obviamente, somente aquilo que nos agrada. Ele pode ser ficcional ou documental. Para ser um filme também é necessário haver algum tipo de tratamento particular. Os filmes geralmente são produzidos pensados previamente amparado por pesquisa prévia. Há os momentos políticos que geram materiais fílmicos no calor do momento também.
Para fazer um filme é preciso aprender diversos campos da produção cinematográfica. Operar câmeras, luz, som, montagem, coloração, mixagem, masterização isso sem contar com a etapa da distribuição tão importante quanto todo o resto. Por isso, os produtores precisam compartilhar suas experiências como forma de estimular e desfazer certas normatividades e até impossibilidades notórias para os mais precarizados que quase sempre é aquele que mais deseja e precisa produzir, mas que menos têm, pois quase sempre está vendendo sua mão-de-obra para outros fins. A poesia do cinema, no entanto, não é algo que se aprende, mas se faz e de acordo com esse fazer se chega a alguns resultados importantes para a arte e para a comunicação. Fazer sem propósito também é possível e geralmente daí nascem filmes experimentais. Mas a produção aliada a objetivos principalmente sociais é necessária para ampliar o acesso e popularizar esse magnífico campo artístico que engloba muitas outras artes.
A experiência torna-se mais rica com a socialização desse complexo fazer entre os sujeitos sociais possibilitando a eles maior compreensão e contribuição a uma determinada causa a partir de trocas emancipatórias. O título pode parecer atraente, mas também enganador. Não há formula para se produzir qualquer coisa a não ser as matematicamente enquadradas num determinado procedimento, como construir prédios ou coisas do tipo. Nem mesmo a ciência contém uma formula. Não é essa a proposta do debate, pois o fazer não implica necessariamente uma determinada normatividade.
As formas de fazer nunca estão alheias às possibilidades materiais e concretas que podem de fato tornar possível a produção, mesmo que limitados. Isso quer dizer que o fazer deve ser necessariamente experimental e socialmente comprometido abrindo caminhos ainda desconhecidos, acertando ou não em sua proposta.  Há várias formas de se produzir um filme, mas poucas com parcos recursos e pessoal envolvido. Por isso a experiência deve ajudar na formação do livre-produtor. Mas vejam que ela só não é o suficiente. É preciso investigar e para isso precisamos de um método.
Uma questão principal é: que filme se quer fazer? Um doc-drama? Ou simplesmente um documentário? Uma ficção? Curta ou longa? São várias possibilidades. Onde se vai veicular? Nas redes virtuais ou TV´s, cinemas ou cineclubes? Isso implica pensar que filme se pode fazer e como realizar essa produção.
O cinema é campo vasto e historicamente rico. Hoje, até mesmo alguns vídeo-clipes se intitulam filmes. Um certo exagero, pois um filme requer um determinado tratamento e estrutura de linguagem e narrativa. O cinema como se percebe é necessário, sobretudo nas formas de dominação do capital, mas também nas disputas que se travam em narrativas antagônicas ao modelo espetaculoso das grandes corporações.
Um fator deve ser determinante: produzir até que não se possa mais. Não de maneira análoga às alienadas formas de produção em série dos artistas que desejam views alucinadamente e que constroem seus filmes a partir dessa demanda. Um cinema de esquerda dificilmente se enquadrará nos procedimentos da propaganda industrial. Aliás, não é esse o seu objetivo e nem deve ser. Ainda assim, este cinema não pode estar alheio aos meios existentes de divulgação ainda que quase completamente capturadas pelo capital. É uma contradição que deve ser superada na formação de redes de apoio mútuo para assim superar a forma-mercado. Sobre isso há um texto aqui no blog que debate este tema mais detalhadamente.
A dificuldade é que os livres-produtores começam suas trajetórias de forma muitas vezes solitária, o que dificulta obviamente o seu estímulo e vontade. As atividades coletivas, e o cinema é a expressão da coletividade nesse sentido, são muito engrandecedoras, por isso a necessidade das parcerias.
A parceria é o primeiro passo para se produzir um filme. Ela só é possível na realidade do cinema independente se estabelecida a partir de uma relação horizontal, visto a priori a pouca disponibilidade financeira desse segmento. As parcerias são estabelecidas a partir de um interesse comum, que norteará a coletividade a partir de uma determinada estratégia, que por sua vez não priorizará o carreirismo, mas sim a obra e o debate em questão. As parcerias devem pensar criticamente o fetichismo das relações instrumentalizadas pelo empreendedorismo que visa o lucro e o estabelecimento de determinados formadores de opinião. Dessa forma, a experiência se torna de fato emancipatória capaz de agregar aos diversos elementos envolvidos as mesmas possibilidades de acesso. 
Para o livre-produtor contemporâneo é necessário também o estudo das novas ferramentas virtuais de comunicação. Não digo aqui que elas devam ser determinantes, mas acaba sendo a primeira via pela qual se divulga uma produção independente. A melhor forma de se divulgar uma produção certamente é pela via orgânica, nos debates, exibições, eventos, manifestações, etc. Mas isso nem sempre é possível, por isso as redes virtuais, sites, blogs, fazem parte desse repertório de possibilidades na distribuição, o que não deixa de ser um campo de disputa acirrada entre as classes.
O cinema parte de investigação; de linguagem e campos do conhecimento. É, devido a isso, uma arte de difícil acesso e produção. A sua qualidade depende da habilidade de quem a produz. Na medida em que essa habilidade é monopolizada ou restringida a poucos, a arte vira algo exclusivo das classes dominantes. Vira uma arte aristrocrática. Por isso a ideia de que o cinema é feito para poucos. Se o cinema de fato fosse feito para poucos a indústria não teria sentido. A massa consome cinema, as empresas investem em cinema. O lucros são, portanto, altos!
Não é essa, mais uma vez, a intenção do cinema revolucionário. Estamos debatendo em como produzir um cinema autônomo e antagônico aos mercados da arte.
Como produzir este cinema?
A partir das parcerias estabelecidas, do conhecimento acumulado e das redes estabelecidas, a função do produtor é aproximar este cinema do projeto de classe ao qual se filia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O sedutor do óbvio: sobre a farsa de Eduardo Marinho

“Não existe poder político. É uma farsa. Política faço eu no meu trabalho que não visa poder nenhum.” Eduardo Marinho Sempre que nos colocamos a analisar algum artista e suas contradições devemos prezar minimamente pela sua história e seus esforços. Ainda que haja contradições evidentes a alteridade é um valor que deve estar sempre presente em nós, pois assim não nos destituímos de um importante valor humano que proporciona uma gregariedade livre das disputas mesquinhas muito presente na sociabilidade capitalista. Também não nos deixamos cair facilmente na destruição de reputações e difamações gratuitas, algo muito presente na esquerda identitária pós-moderna proto-fascista que tem somente um olho centrado em si próprio. Ainda que a crítica seja impiedosa a tudo que existe, ela deve ser no sentido de elevar aquilo que analisamos a um nível superior, como bem coloca Marx, livre de entraves desnecessários aos processos emancipatórios da humanidade. Essa é a função da crítica. Es

Youtube como arena política e o espetáculo político virtual

O youtube sem dúvida se tornou uma das principais plataformas de acesso a informação e de novas formas de se produzir e veicular essa informação na internet. Isso tudo ganhou mais sentido para os produtores com a possibilidade de influenciar decisivamente nos principais momentos políticos do país sustentando ou forçando a derrubada de governos e mobilizações na sociedade, gerando receita com o envolvimento do público e quantidade de visualizações que passa a financiar os canais podendo com isso gerar cada vez mais conteúdos ganhando mais expressividade e poder. O MBL sem dúvida é o maior exemplo de como a direita se organizou desde as Jornadas de Junho de 2013 no sentido de tomar a dianteira na produção contínua de informações sobre os fatos políticos transformando-se numa verdadeira máquina de guerra comunicacional convencendo principalmente um público desgostoso com a política prometendo renovações a partir de seus próprios quadros, que obedece ao velho programa neoliberal dando no

A função social da repressão policial

A força policial é a última forma de controle social dos Estados modernos. Antes do uso direto da violência contra a população civil há toda uma mecânica capaz de ajustar os sujeitos aos objetivos da reprodução das relações sociais pautadas basicamente no trabalho alienado de forma a garantir o bom funcionamento das redes de mercado, das burocracias, em suma, das relações de poder e dominação. O uso da violência, apesar de corriqueiro, gera imensos desgastes ao Estado havendo iminência de convulsão social que acaba por comprometer a fina capa do estado democrático de direitos (tema que não vamos aprofundar neste texto). O Estado então precisa justificar o uso da violência e para isso constrói seus discursos que basicamente se resume em garantir a manutenção da ordem pública quando na verdade a polícia existe para defender os interesses da classe dominante.  A legalidade não é nem nunca foi o parâmetro ou critério para o uso das forças armadas contra as populações. A polícia a