Não
chega mais a ser um riso, mas um completo escárnio. É a demonstração absoluta
da dominação pelo medo e pela violência direta das armas. Como explicar este
escárnio? A soberba do poder? Como entender o inexplicável? O que aconteceu
para o absurdo ser tolerável, acolhido como um filho? Parece que esse é o pior
dos sinais. É um aviso. Nada místico, no entanto. Por mais vil que seja, no
fundo não escapa à razão. Não, pois a degeneração é passível de observação pelo
processo que leva até o estágio de uma degenerescência mais aguda. O campo
social é complexo, mas de possível compreensão crítica. O temor é o pilar
central do poder de dominação entre os homens. O que seria da polícia sem o
medo? Ela não conseguiria manter o controle somente através das armas. O medo
neutraliza um grupo grande de pessoas garantindo a manutenção de uma ordem
absurda e absoluta. Inquestionável! Outro elemento fatigante é o esvaziamento
histórico e político do cenário absurdo. O caráter desse absurdo é o emaranhado
que se formou por um revisionismo esdrúxulo, porém eficaz que comunica pelo
espetáculo ludibriando olhares desprevenidos. O espetáculo é eficaz porque
compensa o temor que sentem os homens pelo ódio barato construído por
conservadores levado a cabo afinal pelo sistema capitalista, que suga os
espíritos e as mentes. É uma máquina que se retroalimenta através de um sistema
sádico e altamente letal onde o medo paralisa a revolta e o levante contra todo
um conjunto de relações ao passo que o ódio é estimulado como solução abrindo
espaço para os oportunistas que supostamente combaterão os problemas sociais em
nome de todos. A ordem garantida através desse sistema é inaceitável, mas a
banalidade do intolerável é o que de mais concreto existe transformando a
realidade em algo insuportável principalmente para os dominados. Não é somente o
medo, mas a complacência que favorece a manutenção desse estado de coisas. A
realidade é a própria expressão da surrealidade composta por um conjunto de
absurdos vistos a olho nu e nem por isso capaz de sensibilizar.
O
exercício do poder numa sociedade capitalista tem o objetivo central de não só
explorar a classe trabalhadora, mas, dentro de determinados limites, incluí-la
nos modos de vida, consumo e valores que cria uma sensação capaz de dinamizar
todo um sistema de exploração onde cabe até mesmo a revolta contra o sistema
como elemento necessário à reprodução do capital. É como se todas as portas
tivessem sido fechadas e sobrasse apenas a adaptação segundo o cenário
determinado sem dúvida pelo mais forte capaz de dominar os demais. É verdadeira
a afirmação de Marx de que os trabalhadores não têm nada a perder além dos
grilhões. O desafio da sociedade atual é sem dúvida o maior que já teve os
trabalhadores ao longo da história. Não só o controle permanente das
tecnologias à serviço do Estado, mas o pensamento reacionário é notoriamente
inimigo da emancipação intelectual dos trabalhadores, pois faz com que estes
não se reconheçam como tal. O pensamento conservador é inimigo da história. Ele
serve para confundir na medida em que iguala as pessoas num sistema de
dominação onde a legislação se apresenta como a formalização do poder do
capital sobre o trabalho. A legalidade burguesa normatiza a exploração por
negar que é impossível equiparar homens e mulheres no sistema capitalista onde
há predominância dos detentores dos meios de produção como pilar central da
sociedade burguesa. Sem dúvida alguma em questão de poucos anos haverá o
acirramento ainda maior das contradições de classe obrigando trabalhadores e
burgueses a se posicionarem de forma efetiva sobre as demandas que surgirão e
que já agora se anunciam como preâmbulo.
O
absurdo maior é constatar que a própria revolta tornou-se parte do espetáculo.
É muito importante compreender em detalhes tudo o que está acontecendo.
Compreender a complexidade dessa realidade confusa só é possível se atendo a
algum rigor teórico e analítico. Por isso o marxismo é ferramenta
imprescindível; O capitalismo, na medida em que organiza o caos gerado pelas
contradições sociais, cria a ideia de que toda a população sofre as consequências
da crise social. Ora, se todos sofrem, onde está o responsável? Ele
simplesmente não existe, sendo sempre transferido de um para outro numa eterna
roda gigante sem fim. Essa é a primeira das confusões que o sistema cria. Isso
é absolutamente falso, mas é um dos absurdos que torna a realidade surreal.
Como é possível um subalterno que vive com menos de um salário mínimo tenha as
mesmas condições daquele que concentra poder, renda e propriedades? No sistema
capitalista tudo está diretamente não só relacionado, mas subordinado ao
capital e aos detentores de capital. A dignidade está relacionada ao capital! O
capitalista não é aquele que ganha um salário acima dos demais, como alguns
setores liberais de classe média. O capitalista é o que detém por monopólio os
meios de produção onde a mão-de-obra se reproduz em benefício da reprodução do
capital que se coloca, por fim, acima do trabalho e da vida humana. Não existe
superação das relações de dominação com a sobrevivência e permanência do
capital. Reformar o capital é perfumar merda.
A
teia vulgar de relações e representações que dão lugar e palco ao poder do
absurdo é o deleite de corpos vazios, rancorosos e ressentidos. Mas é essa teia
que sustenta e dá casa ao que parece ser insuperável pela ilusão que cria.
Concretamente
falando, o que se passa nos dias atuais? No Brasil, país de longo histórico de
dominação direta de elites locais e internacionais, o cenário atual é
preocupante. Sem qualquer alarmismo ou oportunismo, é notável a incapacidade do
Estado de gerir a crise estrutural do capital, que é mundial e se vê
fragilizado pelo limite da expansão absoluta e desmedida da sua capacidade de
reproduzir em larga escala, vendo-se a própria burguesia em contradição, como é
o caso dos bancos e do capital financeiro especulativo que gera aquilo que
denominamos bolhas, muito bem debatido em “O Enigma do Capital” de David
Harvey. A decadência gradual e cada vez mais explícita do estado democrático de
direitos é um ponto forte da crise. O Estado, como não dá conta de gerir as
contradições para além do uso corriqueiro da violência, tem de criar outros
mecanismos que legitime a sua existência. A segurança é elemento central nesse
ponto, pois se a manutenção da vida depende de forças coercivas organizadas em
defender a justiça, o Estado naturalmente sai ganhando, pois em última
instância ele é um mal necessário.
O
fascismo é o sintoma notório dessa completa degenerescência social punitivista
e altamente violenta. O fascismo de certa forma organiza o absurdo tornando-o
tragável e apresentável como algo aceitável e necessário. Ele organiza o ódio
direcionando-o e transformando-o em força material contra grupos específicos da
sociedade que são vistos como incapazes de convívio social necessitando em
última instância ser eliminados do mapa. O fato do Brasil ser um país com
enorme expressividade política ter um elemento como Jair Bolsonaro na
presidência e todo o corpo do seu governo no poder é outra surrealidade que
precisa ser trazida para o campo da razão. O que isso quer dizer? Na prática,
que não é tolerado, em períodos históricos determinados, o dissenso político,
muito menos formas alternativas de poder. Bolsonaro representa a necessidade de
controle direto do poder pelos militares que estão diretamente subordinados aos
interesses dos EUA, o que é facilmente comprovado historicamente por ampla
bibliografia.
Bolsonaro
também representa a falência completa do estado democrático de direitos como
estrutura societária capaz de gerir as contradições do capital. O estado democrático
na prática existe de forma muitíssimo limitada como apenas uma representação
necessária à legitimidade do Estado burguês. É como se o contrato social
estivesse sendo quebrado por meios legítimos, pois tudo tramita dentro da
legalidade burguesa. O poder zomba de nós, faz o que quer e tudo permanece o
mesmo.
Concretamente,
portanto, a população vê-se contrariada por todos os lados, e como sinal de sua
impotência credita suas esperanças nos representantes políticos que por sua vez
defendem os interesses do capital e da elite burocrática estatal, como juízes,
militares, etc. Esse acirramento está gerando não só discursos inflamados, mas
assassinatos, repressão e criminalização que viram novelas em redes virtuais.
A
violência do Estado tem se demonstrado presente e muito reverenciada pela
medonha classe média alienada que teme o avanço popular e as lutas de rua. O
desfile em Icaraí (bairro de classe média de Niterói recheado de uma pequena
elite abjeta) realizado pelo exército em comemoração a vitória de Jair
Bolsonaro, é o desfecho para entendermos de que lado está o poder. Se em Icaraí
o exército comemora e se integra harmonicamente com os moradores como
verdadeiros heróis e em bairros pobres esse mesmo exército aponta as armas e
matam moradores sem qualquer problema maior com isso em ações nitidamente
contra a população pobre trabalhadora (que protesta fechando avenidas a cada
fim de operação com inocentes mortos), o que falta para entendermos que o
exército é inimigo dos trabalhadores e despossuídos de uma forma geral? O
exército e a polícia jamais defenderão os interesses dos trabalhadores. Por
que? Como pode, por exemplo, uma corporação como a polícia militar que age no
sentido direto de garantir as desigualdades sociais fazer outro papel que não
seja o de espoliar e matar aqueles que reagem contra o Estado e o capital? A
função primordial da polícia é garantir a manutenção da propriedade privada e a
livre circulação das mercadorias. Não serve para outro objetivo a não ser este.
A polícia funciona em torno da dominação econômica, por isso, qualquer grupo
organizado que queira contestar isso é alvo da polícia. E por fim, a polícia
controla os excessos gerados pela própria relação violenta do capital
simplesmente eliminando vidas que podem e devem ser matadas para que o sistema
não colapse.
Dentro
dessa evidente relação estabelecida, a polícia deve ser eliminada numa guerra
organizada diretamente contra o Estado e demais forças coercivas. Poder e
contra-poder. Fogo contra fogo. Não há conciliação possível com as polícias e
forças coercivas, o que não quer dizer que a própria corporação (por gerar uma
série de contradições intoleráveis evidentes) não sofra dissidências internas
capaz de ajudar no colapso do próprio Estado sendo poucos desses possíveis de
serem incorporados na luta política pela emancipação humana.
O
absurdo só pode ser desnudado com análise fria do poder. A sofisticação do
poder e o seu encanto deve ser quebrado relacionando e articulando o conjunto
de discursos e práticas que formam as novas subjetividades principalmente com o
advento das novas tecnologias que criaram novas formas de comunicação. A
sofisticação está relacionada com a força como se convence e, portanto, se
legitima o poder despótico do capital e seus defensores mais explícitos.
O
medo maior talvez seja em assumir que no chão escorrerá sangue. Muito sangue.
Que a mudança passa por estágios de extrema violência e as pessoas de uma forma
geral têm pavor da morte. Ao ver a morte como algo necessário a qualquer
processo de mudança estrutural isso se torna algo irrelevante ou simplesmente
secundário. É óbvio que lutar contra a polícia e exércitos que possui força,
treinamento e estrutura parece aterrador. Mais assustador ainda é morrer na
mira dos militares, que não pensarão duas vezes antes de agir.
Tempos sombrios.
ResponderExcluirmomentos de trevas, muitas trevas.
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