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Todo nosso ódio contra a polícia



Tendo em vista o massacre contra lutadores sociais, indígenas, lideranças e militantes e, sobretudo da população moradora de favelas em sua maioria negros e jovens, de uma forma ou de outra aos trabalhadores e oprimidos resta apenas a organização e a auto-defesa como saída para uma revolução social, pautada na completa negação da sociedade capitalista. Neste processo, sabemos bem que a polícia representa uma ameaça real aos objetivos de uma sociedade emancipada, livre de opressões.
Uma questão importante neste momento histórico do país é pensar formas eficientes de desestabilizar a sociedade burguesa, forçando o rompimento definitivo com a sociedade capitalista, seus pressupostos, valores e estruturas normativas. É necessário produzir propaganda sistemática e ininterrupta contra as forças repressivas da ordem burguesa.
Uma dessas forças é a polícia, seja civil, militar ou federal. Apesar do exército ser usado em momentos críticos de conturbação social, é a polícia militar que faz o trabalho ostensivo. Ela é a principal responsável pela eliminação dos indesejados que normalmente são categorizados como bandidos, criminosos ou inimigos da ordem pública. Essa propaganda contra a polícia deve alimentar também o ódio contra os agentes, mas principalmente contra a estrutura, impossibilitando a conciliação. O ódio, que não nasceu hoje, já existe como sentimento real entre os oprimidos fruto de consequentes maus tratos contra a população mais vulnerável.
Apesar de sabermos que a polícia é apenas a ponta do iceberg e serem também os policiais muitas vezes vítimas da impositiva sociedade capitalista, muito dificilmente os agentes da repressão abdicarão da sua tarefa que se resume em garantir o bom funcionamento da sociedade capitalista garantindo os privilégios das camadas dominantes. Ora, na prática o que percebemos é a polícia sempre indo contra os trabalhadores quando estes decidem de alguma forma dar uma resposta aos desmandos do capital, como o empobrecimento constante devido às disparidades sociais. A polícia de uma forma geral defende os interesses dos ricos.
A corporação policial serve ao Estado e seus interesses estruturais. De uma forma geral os mais pobres odeiam a polícia, pois são vítimas constantes da truculência dos agentes da ordem. Numa linguagem clara, os trabalhadores, os pobres, jovens e negros periféricos são esculachados diariamente pela polícia, que na verdade está apenas cumprindo com afinco aquilo que lhes é designado, seja numa dura na rua ou numa manifestação. Cair nas mãos de um policial é correr sérios riscos de vida.
E a polícia age sem pudor. Mata, estupra, viola, sequestra, assassina, espanca, tortura, etc., e seguem atuando nas ruas como defensores da ordem (uma ordem altamente coercitiva e brutal contra os indesejados). São condecorados e há um esforço midiático tremendo para limpá-los transformando-os em heróis, quando na verdade são inimigos mortais da população pobre. A pergunta frequente sobre se todos são “maus policiais” não deve abalar nossa convicção de que enquanto houver policiais dispostos a defender essa ordem teremos inimigos a combater e eliminar da face da terra sem remorsos por termos também que produzir uma carnificina numa guerra contra estes homens.
O problema não é o indivíduo policial, que em algum momento da sua vida por algum motivo pode de fato abdicar da sua função repressora (ainda que essa seja uma possibilidade muitíssimo distante) e inserir-se em outros afazeres, ou naquele que defende o estado democrático de direitos como são os “policiais anti-fascistas”. A questão central é que estruturalmente a polícia não está em disputa. É importante colocar aqui que isso vai totalmente contra a estreita leitura dos partidos políticos de esquerda, que defendem uma polícia humana que seja capaz de defender os interesses dos cidadãos sem agir de forma soberana sobre os civis. Essa visão é propagada por intelectuais e artistas progressistas, que na verdade defendem uma possível reforma do capitalismo, algo impossível o que configura um antagonismo com relação aos interesses dos trabalhadores.
Ao menos que o policial abdique de defender os interesses dos donos do capital abrindo mão, portanto, de ser um policial, e entre para um exército revolucionário (o que ainda assim é perigosíssimo, pois modificar a subjetividade de quem sempre oprimiu é tarefa quase impossível e nem deve ser essa disputa o interesse central dos trabalhadores), ele deve estar pronto para morrer em lutas sangrentas contra o proletariado organizado. Não existe “bom” ou “mal” policial. Existe o policial que obedece à uma razão de Estado e cumpre seu dever histórico. O indivíduo policial não altera em nada a forma de funcionamento da repressão. O indivíduo ao negar os valores e pressupostos da corporação militar está fora; perde sua utilidade. O policial é útil como máquina de guerra. Do contrário qual seria a função da polícia?
Produzir propaganda contra a polícia é importante do ponto de vista da emancipação dos trabalhadores. Estes, por sua vez, em algum momento deverão formar sua própria força armada disposta a enfrentar as forças do Estado burguês. É claro que pensar essa pauta no exato momento político que estamos é pular etapas importantes da luta pelo comunismo. A propaganda em primeiro lugar deve atentar para a ilegitimidade da polícia militar atuar da forma como atua, matando e saindo impune. A justiça burguesa é o muro que defende e garante a impunidade dos agentes da repressão. Eles podem cometer todo e qualquer tipo de atrocidade sem ser responsabilizado por isso.
A polícia, apesar de legalmente afirmar servir ao conjunto geral da sociedade, é inimiga histórica dos trabalhadores e chega o momento de descredibilizar completamente a sua existência. Não existe reforma da polícia. Ela é irreformável e qualquer alteração no seu funcionamento tergiversa seu objetivo social. Pensemos que a emancipação humana depende da completa destruição deste sistema que baseia-se na exploração do homem pelo homem. A legalidade burguesa neste processo não deve ser obedecida, já que as próprias forças repressivas não respeitam nem mesmo essa legalidade que dizem defender. Ora, basta ver na prática que o estado de exceção é a completa negação da formalidade jurídica burguesa.
Se é preciso fazer acordos e atuar junto ao tráfico ou formar milícias assim fará o Estado. Se é preciso atirar em professores ou matar trabalhadores assim também fará a polícia. A legalidade burguesa é apenas um mecanismo de controle e punição contra a parcela dominada da população. As algemas e cadeias já tem um público certo que se submeterá ao Estado. Com relação ao setor da polícia civil autodenominada “antifascista” devemos pensar o seguinte. No momento político que estamos eles funcionam como um freio que visa restaurar um possível estado democrático de direitos absolutamente fictício não tendo eficácia real no combate ao fascismo que avança diariamente. Na prática, a polícia não lutará contra ela mesma.
Do ponto de vista prático este setor continua oprimindo aqueles que devem ser oprimidos por não abdicarem de uma defesa estrutural da polícia apenas buscando enquadrá-la numa defesa ética da constituição o que acaba por funcionar como uma propaganda favorável a polícia deixando brechas para uma possível restauração do bom funcionamento dessa corporação. Este setor, por exemplo, não enfrentará de forma determinada a sistemática repressão funcional das polícias, guardas e exércitos quando estes atuarem de forma determinada na eliminação dos movimentos sociais.
Não abdicarão de ser policiais (obviamente) e tampouco ajudarão os trabalhadores a forjar sua própria força bélica. E outra coisa importante: o antifascismo não é uma luta pelo bom funcionamento do Estado e da democracia burguesa, parlamentar, representativa, burocrática. O antifascismo luta contra o capitalismo, pela completa destruição, portanto, do fascismo. O policial antifascista continua defendendo a uma razão de Estado, portanto, muito distanciado das reais necessidades dos trabalhadores em geral. Policiais no geral são violadores da vida humana, das liberdades, do prazer, das lutas sociais, defensores que são incondicionais da classe dominante.

Comentários

  1. Muito boa a sua crônica. Mas se me permite colocar minha observação e que não é nenhuma crítica à sua visão, caro Arthur, mas o realce de um detalhe, de que todo o nosso ódio contra a polícia é legítimo, mas sou levado a admitir que o ódio mesmo legítimo não é racional, e o irracional não pode servir de matéria para guiar uma revolta racional da classe proletária. A classe proletária com certeza odeia a polícia, mas esse ódio não está essencialmente a serviço da superação da condição de opressão, ao contrário, o ódio pode levar à vingança generalizada, isto é, ao desvio para um ciclo vicioso de luta sangrenta e sem fim, ou seja, perde de vista o propósito objetivo de transformar o atual estado, de eliminar as contradições a que estamos impostos.
    Afora esse comentário, gostaria de saber se você acha possível que a classe dos agentes de segurança poderiam algum dia chegar a uma determinada condição histórica em que um seguimento seu resolva insurgir contra o Estado e inciar uma revolução de sua própria classe a fim de se tornar dominante?

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    1. Fala, camarada. Você tem razão! No entanto, penso que a insatisfação generalizada deve ser direcionada a superação da ordem por meio de um projeto revolucionário. O ódio pelo ódio não resolve nada de fato. Não é possível que os agentes da repressão se voltem contra suas próprias estruturas a não ser por indivíduos isolados, o que já acontece comumente.

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